Afeganistão: a derrota humilhante dos EUA, o retorno do Talibã e a ameaça da guerra civil

O Afeganistão está se preparando para outra guerra civil, com a retirada das forças dos EUA e aliadas após duas décadas de ocupação sangrenta. A retirada das tropas imperialistas, anunciada por Joe Biden, está prevista para ser concluída em 31 de agosto deste ano, embora a maioria das forças dos EUA já tenha partido ou esteja em processo de abandonar apressadamente o país enquanto o Talibã avança em muitas áreas.


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O fato de o imperialismo dos EUA e outras forças aliadas terem sido forçados a se retirar está sendo apresentado como exclusivamente devido ao Talibã. O fato, porém, é que a intervenção e ocupação dos Estados Unidos no Afeganistão nas últimas duas décadas também encontrou forte oposição da população local. Há um ódio generalizado e ardente por esta guerra imperialista, que matou dezenas de milhares de pessoas inocentes e mergulhou todo o país na devastação, instabilidade e barbárie.

Pode muito bem ser verdade que em muitas ocasiões, em particular nas áreas rurais pashtun, o ódio ao imperialismo ocidental significava que a população local aceitaria passivamente ou até mesmo ajudaria a facilitar os ataques do Talibã. No entanto, isso não significa que a maioria da população tivesse ou tenha alguma simpatia profunda pelas forças arquirreacionárias e obscurantistas do Talibã.

A tragédia da situação é que o vácuo de poder deixado pelos EUA está sendo preenchido em muitas áreas, principalmente pelo Talibã, com seus milhares de homens armados, e com o apoio tácito de várias potências estrangeiras.

Após duas décadas de guerra, a um custo de mais de US$ 2 trilhões, a classe dominante dos EUA fracassou notoriamente em atingir qualquer um dos objetivos que anunciou ao mundo no início da guerra. Depois de matar incontáveis ​​civis, bombardear várias regiões e devastar a vida de milhões, os EUA estão saindo depois de chegar a um acordo humilhante com o Talibã. Nesse chamado acordo de paz, assinado no ano passado em Doha, no Catar, entre o governo Trump e a liderança do Talibã, os EUA cederam a todas as demandas deste último.

O fraco e corrupto governo de Cabul, agora liderado pelo presidente Ashraf Ghani e apoiado pelo imperialismo dos EUA e outras forças aliadas, está rapidamente se desintegrando com a retirada das forças dos EUA. Isso porque é odiado por grande parte das massas por ser um fantoche do imperialismo. Relatórios da inteligência dos EUA sugerem que este governo sobreviverá apenas seis meses após a retirada. Entrando na guerra, os imperialistas alegaram que acabariam por transformar o Afeganistão em um Estado democrático moderno. O resultado foi um fracasso terrível.

Há 20 anos, a Corrente Marxista Internacional explicou por que essa aventura só levaria a mais sofrimento e miséria para o povo afegão, ao mesmo tempo que desestabilizaria toda a região. Como explicamos em novembro de 2001, imediatamente após a queda de Cabul diante das forças apoiadas pelos EUA:

O Talibã perdeu o controle do poder, mas não o potencial para fazer a guerra. Eles estão muito acostumados a travar uma guerra de guerrilha nas montanhas. Eles fizeram isso antes e podem fazer de novo. No norte, eles estavam lutando em um território estranho e hostil. Mas, nas aldeias e montanhas da área de Pushtoon, eles estão em sua própria terra natal. Abre-se a perspectiva de uma longa campanha de guerrilha, que pode durar anos. A primeira parte da campanha de guerra dos aliados foi a parte fácil. A segunda parte não será tão fácil. As tropas britânicas e americanas terão que ir para as áreas de Pushtoon em missões de busca e destruição, onde serão alvos para os guerrilheiros. As baixas serão inevitáveis. Em certo estágio, isso afetará a opinião pública na Grã-Bretanha e na América.

Os americanos esperavam poder realizar um ataque rápido e cirúrgico contra Bin Laden, contando principalmente com o poder aéreo. Em vez disso, o conflito está se tornando cada vez mais complicado e difícil, e a perspectiva de um final é adiada quase indefinidamente. Eles terão que manter as tropas estacionadas não apenas no Afeganistão, mas no Paquistão e em outros países, a fim de apoiá-los…

Esta é uma posição muito pior e mais perigosa do que aquela em que os americanos se encontravam em 11 de setembro. Washington agora será compelido a subscrever o regime falido e instável do Paquistão, bem como todos os outros Estados “amigáveis” da região, que estão sendo desestabilizados por suas ações. Se o objetivo deste exercício era combater o terrorismo, eles descobrirão que conseguiram o oposto. Antes desses eventos, os imperialistas podiam se dar ao luxo de manter uma distância relativamente segura das convulsões e guerras desta parte do mundo, mas agora estão completamente enredados nela. Por suas ações desde 11 de setembro, os EUA e a Grã-Bretanha foram arrastados para um atoleiro do qual será difícil se livrar.

Novamente, explicamos em 2008 que esta guerra era impossível de ganhar para o imperialismo. Após uma guerra prolongada, os imperialistas seriam forçados a se retirar, derrotados, deixando um rastro de destruição em seu rastro:

No final, as forças da coalizão serão obrigadas a abandonar a tentativa de ocupação do Afeganistão. Eles deixarão para trás um rastro de morte e destruição e um legado de ódio e amargura que durará décadas. Não sabemos qual das gangues rivais dominará o próximo governo em Cabul. O que sabemos é que, como sempre, o preço mais alto será pago pelas pessoas comuns, os trabalhadores e camponeses, os pobres, os velhos, os doentes, as mulheres e as crianças.

O terrível destino do povo do Afeganistão é mais um dos inúmeros crimes do imperialismo norte-americano e seus aliados. A infame “guerra ao terror”, longe de atingir seus objetivos, teve o resultado oposto. Com suas ações, os imperialistas deram um ímpeto poderoso ao terrorismo. Eles jogaram lenha nas chamas do fanatismo e, portanto, atuaram como o principal sargento de recrutamento da Al Qaeda e do Talibã. Eles destruíram completamente o Afeganistão e, no processo, desestabilizaram o Paquistão. Nas palavras imortais e freqüentemente citadas do historiador romano Tácito: “E quando eles criaram um deserto, o chamaram de Paz”.

Esta análise foi totalmente confirmada, enquanto as altas reivindicações dos imperialistas estão em frangalhos. Os liberais e os chamados “esquerdistas” e “nacionalistas” que apoiaram o imperialismo dos EUA também ficaram expostos em sua falência total.

Quatro décadas de intervenção dos EUA

A intervenção dos EUA no Afeganistão já tem mais de quatro décadas. A Revolução Saur de 1978, liderada por Noor Muhammad Taraki, foi um ponto de inflexão, que poderia ter levado à transformação socialista do Afeganistão e desafiado os poderes de todo o mundo naquela época.

Após a subsequente intervenção soviética no Afeganistão, que foi fortemente criticada por Ted Grant (então líder da tendência marxista), os imperialistas dos EUA abriram seus cofres para a infame “Dollar Jihad“, usando o Paquistão como palco para o Talibã e outros combatentes aliados dos EUA (rotulados de “guerreiros sagrados”, jihadistas) atacar as forças soviéticas.

A brutal ditadura do general Zia-ul-Haq no Paquistão atacou violentamente a classe trabalhadora e preparou o terreno para a ascensão de grupos fundamentalistas islâmicos, que prosperaram com a ajuda dos EUA e da Arábia Saudita. Após a queda da União Soviética, os imperialistas perderam o controle sobre o monstro de Frankenstein que haviam criado. A consequência foi uma guerra civil brutal que devastou o Afeganistão ao longo da década de 1990. O país inteiro mergulhou na barbárie e dezenas de milhares de inocentes foram massacrados, enquanto as facções jihadistas em guerra lutavam entre si pelo controle de Cabul.

Com a virada do século, conforme os interesses do imperialismo dos EUA mudavam, esses “guerreiros sagrados” – que agora mordem a mão de seu antigo amo – foram repentinamente rotulados de terroristas. Foi desencadeada uma guerra pela maior potência imperialista da história contra a nação mais atrasada e devastada da Terra, que foi declarada, sem qualquer sentido de ironia, como uma ameaça para todo o mundo. No final desta guerra, os EUA e seus aliados assinaram um acordo de “paz” com esses mesmos terroristas, aceitando todos os seus termos e condições, incluindo a libertação de milhares de prisioneiros do Talibã nas prisões afegãs e concedendo ao Talibã um assento na mesa da diplomacia mundial.

Enquanto isso, a brutalidade e as atrocidades do Talibã em nome da religião ganharam a inimizade bem merecida de uma camada significativa da população em todo o país, especialmente entre os não-pashtuns e nas cidades. Somente graças ao apoio do Irã, do Paquistão e de outras potências imperialistas eles foram capazes de se organizar e lutar. Isso com a ajuda da corrupção e da brutalidade do regime instalado pelos EUA, que, em particular nas áreas pashtun, empurrou uma camada da população rural para os braços do Talibã.

Também não devemos esquecer que essas forças fundamentalistas islâmicas reacionárias também foram apoiadas e promovidas pelo imperialismo norte-americano no passado. E, visto que esses reacionários se voltaram contra o imperialismo dos EUA, se tornaram um bicho-papão útil para justificar qualquer intervenção militar dos EUA na região.

Agora os imperialistas estão saindo da guerra no que só pode ser considerado como uma derrota humilhante. Apesar de todas as objeções de alguns generais do Pentágono que desejam continuar a guerra, ela se tornou um espinho no lombo do capitalismo dos EUA, que enfrenta uma crise econômica, social e política de proporções históricas e uma população profundamente cansada de guerras intermináveis. O que resta é um Afeganistão marcado pelo atraso, miséria e devastação.

O fato é que, apesar de ser sustentado por esses poderes, o governo de Cabul falhou totalmente em angariar apoio de massa em termos nacionais. Depois de duas décadas de assistência maciça e bilhões de dólares em ajuda, ele agora está suspenso no ar. O governo fantoche e todas as suas instituições estão desmoronando enquanto a odiada guerra chega ao fim. O aparato de Estado artificial imposto ao Afeganistão pelas potências imperialistas está entrando em colapso, com o exército nacional afegão de 200 mil homens e outras forças de segurança em processo de rápida desintegração.

Nenhum governo imposto pelas potências imperialistas pode se sustentar indefinidamente quando é totalmente desprezado pelas massas. Todas as eleições fictícias das últimas duas décadas, a corrupção do regime e seus crimes contra as massas, podem agora ser vistos claramente por todo o mundo.

A extrema fragilidade do governo de Cabul era conhecida das potências imperialistas há muitos anos. Mesmo assim, eles tentaram inventar uma história de sucesso que pudessem vender ao mundo, declarando “vitória” no Afeganistão. Mas, nos últimos anos, as mortes e os ataques terroristas aumentaram. Se as forças de ocupação tivessem permanecido por mais tempo, teriam enfrentado apenas mais humilhações.

O Talibã agora está avançando em muitos distritos do país e afirma controlar 85% do território afegão. Isso pode ser um exagero, mas certamente ocupam pelo menos 40% dos distritos do país, enquanto contestam o controle do Exército Nacional Afegão sobre outros 42%. Em muitas cidades, o Exército Nacional Afegão está abandonando suas posições, seja sem lutar, ou se rendendo e até mesmo se juntando ao Talibã. O Talibã está tomando conta de muitos dos postos abandonados, apreendendo munição e artilharia das forças americanas que partem e capturando seus suprimentos, embora ainda careçam de números suficientes para ocupar áreas mais extensas.

No entanto, pode-se sentir que, embora as pessoas possam estar felizes com o fim da intervenção estrangeira, existe um sentimento de mau presságio de que o Talibã tomará o poder. Entre as massas, há o medo de derramamento de sangue e da guerra civil, enquanto milhares fogem das áreas ocupadas pelo Talibã. A falta de apoio ao Talibã se reflete ainda no fato de que eles foram forçados a lançar campanhas de recrutamento nas regiões fronteiriças do Paquistão, com o apoio tácito do Estado paquistanês. Os cadáveres de centenas de combatentes do Talibã são regularmente trazidos de volta ao Paquistão para serem enterrados.

Potências regionais interferem

Vendo a derrota iminente dos EUA e o potencial para uma guerra civil desestabilizadora no Afeganistão após a retirada dos EUA, o regime iraniano, em coordenação com a Rússia e a China, estabeleceram laços com o Talibã.

Na esperança de ganhar influência no futuro governo do país, o Irã tem ajudado o Talibã a se reagrupar nos últimos anos com a condição de aumentar os ataques às forças americanas e apoiar a luta contra o Estado Islâmico, que vem ganhando terreno entre os islâmicos afegãos. Nos últimos meses, uma delegação do Talibã também visitou Teerã em busca da proteção do regime draconiano dos Mulás do Irã. Os líderes iranianos não estão apenas apoiando o Talibã fornecendo campos de treinamento e armas, mas também direcionando a população xiita no Afeganistão a apoiá-los, apesar de suas diferenças étnicas e sectárias.

O objetivo do Irã é promover um futuro regime construído com base em uma coalizão de warlords (senhores da guerra) e elites locais sectárias e nacionais, na qual poderia afirmar sua influência e proteger seus interesses, que visam principalmente reduzir a instabilidade que poderia penetrar em suas fronteiras. Isso é ainda mais importante depois que o Talibã também capturou a passagem de Islam Qala: uma das maiores portas de entrada do comércio para o Irã, em cenas amplamente compartilhadas na mídia iraniana, novamente sem evidências de luta. Esta passagem é fonte de US$ 20 milhões por mês para o governo iraniano.

Desnecessário dizer que o Talibã, uma força esmagadora de Wahabistas Pushtoon, não tem problema em unir suas armas às do regime xiita, que supostamente é seu inimigo religioso – desde que o dinheiro e as armas continuem chegando.

A Rússia e a China têm interesses semelhantes e também se aproximam do Talibã para garantir sua influência sobre um futuro regime no qual o Talibã se tornará uma grande, senão a principal força. A Rússia, por sua vez, está buscando garantias do Talibã de que as fronteiras ao norte do Afeganistão não serão usadas como base para ataques às ex-repúblicas soviéticas. A Índia também enviou recentemente seus representantes à embaixada do Talibã em Doha, no Catar, para um possível acordo com a futura liderança afegã. Pode parecer irônico que a Índia, liderada pelo fundamentalista hindu Modi, tenha estendido a mão para o talibã fundamentalista islâmico, mas há uma lógica nisso, no sentido de que a classe dominante indiana também deseja ganhar influência junto à força que acredita poder governar o país.

Nas últimas semanas, o Talibã capturou algumas áreas no norte do país, incluindo alguns distritos na província de Badakhshan, na fronteira com o oeste da China. A maioria deles é povoada por nacionalidades não pashtuns e eram tradicionalmente considerados redutos das forças anti-Talibã. Essas poucas vitórias foram interpretadas pelos apoiadores do Talibã, incluindo o Paquistão, como um grande desenvolvimento, sinalizando a tomada iminente de Cabul. Mas uma tomada total do Talibã parece implausível, já que falta o apoio esmagador das massas em todo o país. Parece mais provável que o Talibã tenha que formar uma coalizão com uma multiplicidade de outros grupos.

Essa perspectiva, entretanto, está longe de ser certa. A instabilidade está embutida na situação. As comunidades perseguidas como os Hazara xiitas, tadjiques e uzbeques do Afeganistão não dão as boas-vindas ao Talibã e se preparam para a autodefesa em caso de uma guerra civil. O governo de Cabul também permitiu que exércitos tribais locais, senhores da guerra e milícias se organizassem e se reagrupassem para se defender em caso de um ataque do Talibã. Na verdade, esta é uma admissão de fracasso do governo de Cabul e do Exército Nacional Afegão. Senhores da guerra locais, líderes tribais e pequenas nacionalidades se armarão para defender suas localidades e, em última análise, isso pode levar a uma guerra civil em todo o país.

Nessa situação, os americanos buscaram freneticamente salvar a face. Eles até apelaram à Rússia e à China para que assumissem o controle das coisas no Afeganistão, para que os EUA pudessem deixar esta guerra sangrenta alegando pelo menos uma “vitória” parcial. Na verdade, o Afeganistão foi um dos tópicos da agenda nas recentes reuniões entre Biden e Putin. No entanto, apesar dos esforços da Rússia, China, Turquia e outras potências, nenhum dos acordos vingou. O fim da guerra e a retirada das forças imperialistas não acabarão com a instabilidade, pelo contrário, dar-lhe-á um novo alento.

Moscou e Pequim também organizaram muitas negociações entre o governo de Cabul e o Talibã durante os últimos anos, mas isso não levou a nenhuma conclusão concreta. Esta é uma guerra com forças débeis em todos os lados, e ninguém pode reivindicar uma vitória completa, apesar do apoio das potências regionais. A China tem seguido uma política lucrativa de roubo e pilhagem de recursos minerais e de exploração da localização estratégica do Afeganistão para seus próprios interesses. Mas é cautelosa ao destinar os recursos financeiros e militares necessários para colocar toda a situação sob controle.

A China não é tão poderosa quanto os EUA e seus aliados. Se duas décadas de intervenção militar da potência mais rica e poderosa do planeta não conseguiram estabilizar o Afeganistão, como se pode esperar que a China, a Rússia ou qualquer outra potência regional faça algo melhor? No entanto, para defender seus interesses, a China provavelmente ficará cada vez mais envolvida no Afeganistão e também tem buscado um modus vivendi com o Talibã – para proteger seus investimentos atuais e futuros em potencial, particularmente relacionados à Iniciativa Belt and Road. De acordo com fontes iranianas, Pequim prometeu ajudar o Talibã a reconstruir a infraestrutura em ruínas do Afeganistão para esse fim. A China também busca isolar os separatistas da província de Xinjiang do apoio dos grupos jihadistas do outro lado da fronteira.

Paquistão

Décadas de intromissão imperialista dos EUA no Afeganistão tiveram um impacto profundo no Paquistão, um país que se beneficiou do patrocínio do imperialismo dos EUA durante toda a sua história de 73 anos. Agindo como um fantoche do imperialismo dos EUA na região por décadas, apoiou o derramamento de sangue no Afeganistão durante a “Dollar Jihad” da década de 1980 e, posteriormente, na chamada “Guerra ao Terror”. A classe dominante do Paquistão se tornou podre de rica nesse negócio sangrento e usou as forças reacionárias do Talibã para espalhar o terror também entre a classe trabalhadora do Paquistão.

Mas os últimos acontecimentos no Afeganistão abalaram as fundações do Estado paquistanês. Os americanos estão colocando toda a culpa por seus fracassos nas últimas duas décadas no Paquistão. Eles afirmam corretamente que o Paquistão desempenhou um papel duplo nesta guerra. Eles acusam o Paquistão de ter embolsado uma fortuna dos Estados Unidos (US $ 33 bilhões, de acordo com Donald Trump) para apoiar sua chamada “Guerra ao Terror”, ao mesmo tempo em que fornecia um santuário e abrigo seguro para a liderança do Talibã dentro do Paquistão. Agora, os EUA estão planejando dar uma lição ao seu ex-fantoche na região.

O fato de o imperialismo dos EUA não ter sido capaz de domar seu fantoche de longa data é outra ilustração de sua própria crise. No entanto, agora está usando seus músculos no cenário mundial para estrangular a capacidade do Estado paquistanês e limitar a importância de seu papel regional.

A pedido dos EUA, a Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF) colocou o Paquistão na lista cinza nos últimos três anos e está ameaçando colocar o país na lista negra se ele não cumprir seus regulamentos contra o financiamento do terrorismo e a lavagem de dinheiro. Na verdade, todos esses crimes – junto com o comércio global de heroína – foram a base da “Dollar Jihad” dos anos 1980, quando o Paquistão era um estado da linha de frente do imperialismo dos EUA em sua guerra contra a União Soviética. Hoje, essas atividades criminosas são a força vital nas veias do Estado do Paquistão.

Os imperialistas dos EUA também estão usando sua influência no FMI, Banco Mundial e outras instituições financeiras para estrangular a economia do Paquistão. A economia do Paquistão desde o início dependeu do FMI, que dita todas as suas políticas financeiras e orçamentos. Os EUA usaram o FMI e outras instituições imperialistas para drenar a riqueza produzida pela classe trabalhadora deste país através de empréstimos e juros, ao mesmo tempo mantendo a classe dominante sob seu domínio.

Sob essas políticas financeiras imperialistas, um exército de 700 mil homens no Paquistão, além de armas nucleares, foi apoiado por algumas das pessoas mais pobres do planeta. Nas últimas sete décadas, este arranjo foi usado para perseguir os interesses das potências imperialistas, com o Paquistão adotando uma política de “Profundidade Estratégica” no Afeganistão, a fim de instalar um governo complacente em Cabul.

O Paquistão pediu repetidamente à classe dominante dos EUA que continuasse a guerra no Afeganistão. Isso porque a retirada significará que os EUA perderão sua dependência do Paquistão, encerrando assim o fluxo de dólares que flui para os cofres da classe dominante do Paquistão. Mas, apesar de todos os apelos, os americanos estão finalmente deixando toda esta região – por enquanto. Como, na última década ou mais, a classe dominante dos EUA desenvolveu relações cordiais com a Índia em seu confronto com a China, o Paquistão foi relegado a um status inferior.

Uma indicação da mudança nas relações entre os EUA e o Paquistão pode ser vista no fato de que, na semana passada, os americanos incluíram o Paquistão na lista de países que usam crianças como soldados na guerra, o que proibirá o Paquistão de receber ajuda militar e financeira de muitos países. Esta ação por si só expressa a raiva de seus amos imperialistas, que estão abandonando seu fantoche favorito por melhores opções na região.

A classe dominante do Paquistão, no entanto, está tentando cortejar a classe dominante dos EUA, enquanto, por outro lado, apóia a tomada de Cabul pelo Talibã para obter influência. Mas nenhuma dessas opções realizará todos os seus objetivos, que estão cheios de contradições. O problema que a classe dominante do Paquistão enfrenta é que a liderança do Talibã no Afeganistão não depende apenas do Paquistão e não seria capaz de sobreviver sem o apoio do Irã, da Rússia e de outras potências. E mesmo com esse apoio, eles não têm forças suficientes para controlar todo o país.

Horror sem fim

Se, eventualmente, o Talibã conquistar Cabul com sucesso, este será um regime fraco e instável. Lutas internas e divisões vão começar, junto com a resistência das forças de oposição, consistindo de proprietários de terras locais e líderes tribais.

A instabilidade social está embutida nas bases deste país pobre, um problema que não pode ser resolvido com o comércio de heroína e outras atividades criminosas. Nem o apoio financeiro da China, Rússia, Irã, Paquistão e outros será suficiente para aliviar a principal causa da instabilidade, a pobreza extrema e a miséria das massas. Vale lembrar como os bilhões de dólares vindos dos Estados Unidos e aliados nas últimas duas décadas só tiveram o efeito de encher os cofres dos senhores da guerra, chefes tribais e ONGs e, claro, empreiteiros civis norte-americanos.

Irã, Rússia e China, todos seguindo seus próprios interesses estreitos, querem estabilizar o Afeganistão. Querem evitar que a instabilidade se alastre para os seus próprios países e querem assegurar um novo regime que seja amigo dos seus interesses. Mas não há perspectiva de uma estabilidade real retornar ao Afeganistão tão cedo. O conflito sectário, a proliferação de milícias locais e de batalhas pelo poder irão persistir de uma forma ou de outra, levando ao derramamento de sangue e  a matanças contínuas e prolongando o sofrimento das massas afegãs. Isso levará a um êxodo em massa de refugiados afegãos para os países vizinhos. As potências imperialistas do Ocidente, responsáveis ​​por esta confusão, já negam vistos aos afegãos e os condenam a viver no inferno sangrento que o imperialismo criou.

Países vizinhos como o Paquistão exploraram impiedosamente os refugiados afegãos nas últimas quatro décadas. Por um lado, a situação desses refugiados é usada para pedir ajuda aos países ricos do mundo, o que acaba apenas enchendo os bolsos dos ricos. Por outro lado, a mão de obra barata desses refugiados sem documentos é explorada pelos capitalistas locais para gerar superlucros e reduzir os salários médios. No passado, os refugiados também foram fonte de recrutamento para forças reacionárias, para conduzir atividades terroristas sob instituições patrocinadas pelo Estado. Mas agora, a situação mudou consideravelmente, já que existe um ódio generalizado contra o Talibã e seus apoiadores.

Hoje, nas áreas do Paquistão que fazem fronteira com o Afeganistão e que foram usadas como plataforma de lançamento para a jihad na década de 1980 e que forneceram uma base para a reação, há agora um clima fervente de revolta contra as políticas da classe dominante. Emergiu um poderoso movimento contra as chamadas operações do exército, a guerra e o terrorismo em nome da religião e dos desígnios imperialistas. Infelizmente, a liderança deste movimento não foi capaz de conectar isso com a classe trabalhadora de toda a região para construir um movimento sobre uma base de classe. Em vez disso, eles confiaram no imperialismo dos EUA para sua salvação contra o ataque violento do Talibã, como um cordeiro pedindo ajuda ao lobo.

A situação também expôs o caráter real da chamada “esquerda” e dos “nacionalistas” em toda a região, que apoiaram o imperialismo norte-americano nas últimas duas décadas. Se uma guerra de classes tivesse sido travada simultaneamente contra o imperialismo dos EUA e a reação representada pelo Talibã 20 anos atrás, como os marxistas defendiam, as coisas teriam sido completamente diferentes hoje. Uma alternativa revolucionária estaria disponível para as massas no Afeganistão. Uma guerra de classes poderia ter sido travada com o apoio da classe trabalhadora dos países vizinhos, especialmente no Irã e no Paquistão. Eventualmente, eles teriam buscado a solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo, incluindo os EUA. Mas a ex-esquerda e os nacionalistas negaram tal possibilidade e agarraram as mãos ensanguentadas de uma ou outra potência imperialista, e estas conduziram todo o país ao abismo.

É hora de tirar as lições necessárias desse caos contínuo e construir uma alternativa revolucionária com base nas ideias genuínas do marxismo revolucionário. Apenas a classe trabalhadora da região tem potencial e vontade para derrotar todas as forças reacionárias no Afeganistão e trazer paz e prosperidade a esta região devastada pela guerra. Com base no capitalismo, todos os caminhos levam à ruína e à destruição, o que lançará as próximas gerações de afegãos em uma espiral de conflito e destruição.

A transformação socialista do Afeganistão é o único caminho a seguir, e isso está relacionado com o destino das revoluções no Irã, Paquistão e outros países da região. Todos os esforços devem ser feitos para construir uma força revolucionária com base nessas ideias. Só isso vai acabar com a guerra perpétua no Afeganistão e acabar com este derramamento de sangue de uma vez por todas.

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