Afeganistão: Cabul cercada pela ofensiva do Talibã

Publicado em 13 de agosto (sexta-feira), o artigo abaixo analisa os desdobramentos da ofensiva do Talibã após o anúncio da retirada dos EUA do Afeganistão. Ontem, a capital Cabul foi tomada pelas forças do Talibã expondo a humilhante derrota dos EUA em uma guerra que durou cerca de 20 anos. Apesar da velocidade dos acontecimentos, indicamos a leitura do artigo que segue atual e em breve vamos publicar novas análises.

Da Redação.


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As forças do Talibã estão se apoderando de áreas de território em uma ofensiva nacional, enquanto as tropas dos EUA se retiram do Afeganistão. Previu-se que o regime fantoche de Cabul, instalado pelo imperialismo norte-americano e seus aliados, poderia cair dentro de um mês.

Enquanto isso, o povo do Afeganistão enfrenta a perspectiva iminente de um governo renovado do Talibã, mergulhando-o mais uma vez no pesadelo da reação obscurantista.

A operação encabeçada pelo imperialismo dos EUA e seus aliados da Otan há 20 anos está caminhando para a derrota total, exatamente como previmos desde o início. Pouco depois da queda de Cabul em 2001, Alan Woods escreveu o seguinte:

“[O] Talibã, embora ferido, não foi destruído e pode retornar mais tarde, quando a desilusão com o novo governo em Cabul se estabelecer – como inevitavelmente acontecerá”.

Essa avaliação, 20 anos depois, provou ser 100% precisa.

A ofensiva Talibã

A velocidade do avanço do Talibã desafiou as expectativas do governo de Cabul e é uma prova de sua falta de uma base genuína de apoio.

Em nenhum lugar as massas se reuniram em sua defesa. Na verdade, elas estiveram amplamente ausentes da equação – apesar de seu ódio e medo do Talibã, ninguém vai lutar e morrer pelos cães de guarda reacionários do imperialismo.

O mesmo se aplica ao exército afegão, cuja base não confia no regime ou no podre e corrupto alto comando de seu exército.

Apesar de supostamente superarem o Talibã em número de três para um e se beneficiarem de décadas de apoio material do imperialismo dos EUA, as tropas afegãs estão recuando e se rendendo sem luta em muitas áreas, abandonando armas e veículos para serem capturados pelos insurgentes.

Em alguns lugares, o Talibã foi capaz de negociar retiradas sem derramamento de sangue com as tropas afegãs e policiais mal equipadas, além de comprar senhores da guerra locais e anciãos de vilarejos para evitar confrontos com milícias civis.

Já tendo obtido grandes ganhos nas áreas rurais (onde sempre tiveram mais apoio), o Talibã passou a invadir as cidades do Afeganistão, começando no sul e no oeste, depois atacando no norte.

Eles garantiram o controle da região norte, que é tradicionalmente hostil ao Talibã. Por exemplo, Faizabad, nas montanhas Hindu Kush do nordeste, nunca caiu nas mãos dos islâmicos quando eles governaram o país na década de 1990, mas agora está em suas mãos.

15 capitais provinciais caíram em questão de dias, incluindo Sar-e-Pol, Sheberghan, Aybak, Kunduz, Taluqan, Pul-e-Khumri, Farah, Zaranj, Ghazni, Herat, Feruz Koh e Qala-e Naw.

Foi informado que Kandahar, a segunda maior cidade do Afeganistão, com uma população de 600.000 habitantes, foi tomada ontem depois de semanas de assédio.

Em nota, o Talibã afirmou ter assumido o controle do gabinete do governador, da sede da polícia e dos principais centros operacionais da cidade, além de “centenas de armas, veículos e munições“.

Herat, a terceira maior cidade, também foi tomada. O senhor da guerra local e ex-ministro do governo de Hamid Karzai, Ismail Khan, conhecido como “o Leão de Herat”, chegou a um acordo com o Talibã, permitindo que este tomasse a terceira cidade sem que um só tiro fosse disparado.

Muitos outros senhores da guerra locais, sobre os quais repousa o fraco regime apoiado pelos EUA, considerarão mudar suas alianças enquanto o Talibã continua seu avanço. E, hoje, o exército afegão perdeu a cidade de Lashkar Gah, capital da província de Helmand, após semanas de combates acirrados – apesar de contar com o apoio aéreo dos EUA.

O governo agora está concentrando seus esforços no reforço da defesa de Cabul, com o Talibã agora a apenas 50 quilômetros da periferia da cidade, bem como Mazar-i-Sharif e Kunduz, no Noroeste, a quarta e a sexta maiores cidades, respectivamente. Outras áreas estão sendo deixadas em grande parte por conta própria.

Isso permitiu que o Talibã obtivesse mais ganhos a um custo baixo. Chaghcharan, a capital da província de Ghor, caiu hoje sem qualquer resistência. Puli Alam, Qalat e Tarinkot, as respectivas capitais provinciais da Província de Logar, Província de Zabul e Província de Uruzgan foram tomadas pouco depois.

A aparente facilidade com que o Talibã varreu o país expôs a mentira dos EUA e da Otan sobre a instalação de uma chamada democracia no Afeganistão. Esta ficou exposta como um regime fantoche totalmente desprezado, apoiado em senhores da guerra reacionários e corruptos e pelas baionetas dos EUA.

Cabul cercada

A recente onda de vitórias do Talibã está sendo anunciada como “o começo do fim” para o regime de Cabul.

Milhares de refugiados, que fogem do avanço do Talibã, inundaram Cabul, que agora está sob estado de sítio.

O Talibã capturou Puli Khumri e Ghazni, o que lhes deu o controle das rodovias que levam à cidade pelo norte e sudoeste, e as autoridades americanas prevêem que pode cair em 30-90 dias. Um comandante do Talibã explicou sua estratégia de cercar Cabul e sufocar a cidade do resto do país: “Vamos abraçar Cabul como uma anaconda. O controle de Cabul e do regime afegão é inevitável, talvez daqui a algumas semanas”.

Apesar de prometer proteger seu povo “pela força” se necessário, o desespero dos imperialistas é desmentido por sua promessa de ajuda a qualquer futuro regime afegão – incluindo um liderado pelo Talibã – em troca de poupar a embaixada dos EUA.

Neste ponto, o governo dos EUA simplesmente quer ser poupado da humilhação final de cenas semelhantes à queda de Saigon, onde foi forçado a retirar seu pessoal antes que os combatentes norte-vietnamitas invadissem sua embaixada. Diante da deterioração da situação, os Estados Unidos anunciaram que enviariam 3.000 soldados adicionais ao Afeganistão, a fim de acelerar a retirada de cidadãos americanos.

Embora o porta-voz do Pentágono, John Kirby, afirmasse que “ninguém está abandonando o Afeganistão“, é bastante claro que os americanos estão batendo em retirada completa e apressada – deixando seus antigos aliados em Cabul à mercê do Talibã.

Na verdade, o presidente dos EUA, Joe Biden, rapidamente contradisse Kirby, afirmando que o Afeganistão logo teria que “lutar por si mesmo“.

É evidente que o Talibã não tem interesse em chegar a um acordo negociado. Capturou mais da metade do território do Afeganistão em pouco tempo e está se preparando para um confronto com o governo de Cabul na capital.

Os vizinhos do Afeganistão aparentemente aceitaram a inevitabilidade da vitória do Talibã. O Paquistão, que há anos vem protegendo e apoiando o Talibã, permitindo que preservassem suas forças precisamente para este momento, está se preparando em privado para relações amistosas com qualquer novo regime islâmico.

O Irã se manteve em silêncio após a captura pelo Talibã de importantes pontos de travessia da fronteira, mas colocou seu peso em apoio ao Talibã em uma tentativa de assegurar boas relações com ele após a retirada dos EUA.

E a China recebeu uma delegação sênior de líderes do Talibã em julho, ciente de que precisará manter o fluxo comercial através do país como parte de seu projeto Belt and Road, que necessita do estabelecimento de relações.

A vitória está ao alcance das mãos do Talibã, mas isso não significará o início de um período de estabilidade. A barbárie que aguarda deve-se unicamente às ações do imperialismo.

Apesar de negar as alegações de vítimas civis, há cada vez mais relatos de que o Talibã está praticando torturas e execuções nos territórios recapturados: começando com as tropas cativas e figuras proeminentes do regime de Cabul.

Por exemplo, Dawa Khan Menapal, chefe do Centro de Mídia e Informação do Governo, foi recentemente assassinado, além de dezenas de jornalistas, burocratas do governo, juízes e outras figuras públicas, a fim de eliminar os oponentes e fortalecer o poder do Talibã.

Também houve relatos do Talibã se preparando para reimpor suas políticas religiosas de linha dura. Em Balkh, no norte, os civis receberam panfletos “encorajando” as mulheres a permanecerem em casa e a não irem à escola. Em outros lugares, as mulheres foram supostamente removidas à força de empregos em bancos e no serviço público.

Centenas de milhares de afegãos comuns estão apavorados com a perspectiva do domínio do Talibã, daí o êxodo de refugiados para Cabul. As ruas das capitais provinciais capturadas recentemente estão abandonadas, as populações fugiram ou se esconderam em suas casas, esperando ansiosamente pelo que vem a seguir.

Um desastre do imperialismo

Esta guerra sempre foi impossível de ganhar para os imperialistas e expôs e acelerou o declínio relativo do imperialismo americano no cenário mundial.

Em 2010, Alan Woods explicou:

“A verdade é que anos de ocupação não resolveram nada. O Talibã tem reservas quase ilimitadas de mão de obra e dinheiro (por meio do lucrativo comércio de drogas). Eles têm refúgios seguros no Paquistão e o apoio de uma seção importante do exército e do Estado do Paquistão.

“Uma derrota no Afeganistão seria um desastre. Seria uma humilhação para o Ocidente e para a Otan. Mesmo o objetivo mais limitado da guerra – negar [aos islâmicos] uma base segura para suas operações – irá falhar …

“Como sempre, as verdadeiras vítimas serão o povo afegão, ameaçado de cair na barbárie. Os afegãos odeiam o invasor estrangeiro, mas isso não significa que apoiem o Talibã. Muitos afegãos gostariam de se livrar do Talibã, mas não veem alternativa”.

Essas palavras, escritas há mais de uma década, resumem perfeitamente a situação atual.

Os EUA esperavam poder manter seus interesses no Afeganistão, expulsando o Talibã (que, desde o início, foi uma criação monstruosa dos imperialistas) e instalando um regime estável que pudesse manter sob controle.

Depois de mais duas décadas de guerra, eles não conseguiram absolutamente nada, exceto mais miséria e destruição.

É provável que a resistência final em Cabul seja mais sangrenta e prolongada do que os confrontos em outros lugares. Mas as evidências apontam para uma vitória do Talibã.

Este desastre e a miséria que virá são produtos do imperialismo capitalista. Além disso, a experiência dos últimos 20 anos advertiu que a remoção do Talibã pelo imperialismo estrangeiro só poderia ter consequências reacionárias.

No final, apenas as massas do Afeganistão e seus irmãos e irmãs de classe na região podem pôr fim à sua dominação pelo imperialismo, pelo Talibã e pelos senhores da guerra.

O fim da barbárie que assola o Afeganistão nunca poderá chegar ao fim com as baionetas imperialistas. O sofrimento que o povo afegão é forçado a tolerar só pode terminar através da luta de classes unida dos camponeses e trabalhadores do Afeganistão e da região em geral, para derrubar o capitalismo através de uma revolução socialista.

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