EUA: Sanders ganha segunda rodada em New Hampshire

Bernie Sanders saiu por cima na primária de New Hampshire, superando Pete Buttigieg. O movimento por trás de Sanders expressa um desejo por políticas de esquerda nos EUA, particularmente entre os jovens, que estão cansados das maquinações do capitalismo EUA e de seus dois principais partidos. O establishment está em crise e se prepara um período explosivo.

[Source]

Após o desastre em Iowa, a disputa pela indicação presidencial do Partido Democrata se concentrou no “Estado Granito” de New Hampshire. Não é de surpreender que Sanders, que vem da vizinha Vermont, tenha se destacado e tenha sido capaz de realizar a celebração da vitória que lhe foi negada há uma semana no Centro-Oeste.

No entanto, ele só derrotou Pete Buttigieg por apenas um ponto percentual (25,8% a 24,4%, com 88% dos votos contados). Isso está muito longe de sua vitória de 22 pontos sobre Hillary Clinton em 2016. Sanders ganhou em todas as sete maiores cidades do estado, embora alguns dos subúrbios menores tenham ficado com o Prefeito Pete. Apesar da vitória, Sanders e Buttigieg ganharam nove delegados à Convenção Nacional Democrata, enquanto Amy Klobuchar, de Minnesota, chegava em terceiro assegurando seis delegados. O fato de Buttigieg agora liderar o total de delegados comprometidos, apesar de ter perdido o total de votos em Iowa e New Hampshire, destaca o quão antidemocrático é, na verdade, o Partido “Democrata”.

O establishment perde terreno

Elizabeth Warren continuou em quarto lugar, abaixo do limite dos 15% necessários para ganhar quaisquer delegados no estado. Muitos pensavam que ela se sairia melhor, uma vez que ela é uma “liberal progressista” da vizinha Massachusetts. No entanto, Sanders está claramente na vanguarda entre os eleitores progressistas/socialistas – por que escolher uma versão “light” de Bernie quando se pode fazer um negócio de verdade? A estratégia dela agora vai se centrar no fato de que ela é progressista o suficiente e conservadora o suficiente para unir o partido em novembro.

Como ela se expressou a respeito:

Se quisermos ganhar de Donald Trump em novembro, necessitaremos de uma grande participação dentro de nosso partido e, para conseguirmos essa participação, vamos precisar de um candidato que a coalizão mais ampla de nosso partido sinta que possa respaldar. Não podemos nos permitir cair em facções. Não podemos nos permitir desperdiçar nosso poder coletivo. Ganharemos enquanto estivermos juntos.

Resta ver se esse tipo de unidade “centrista” liberal-burguesa pode funcionar em um país mais polarizado do que jamais esteve antes.

Quanto ao ex-vice-presidente Joe Biden, ele chegou em quinto lugar e ganhou zero delegados da convenção. Obviamente, ele se deu conta de que estava em uma noite ruim e abandonou sua planejada reunião de “vitória” no início da noite, indo para a Carolina do Sul, local da próxima eleição primária. Espera sair-se melhor ali, considerando a grande população negra do estado e seus laços com Barack Obama. Mas nada está garantido e um resultado ruim no Estado do Palmito poderia significar o fim de suas pretensões como um sério concorrente.

O colega bilionário de Trump da cidade de Nova Iorque, Tom Steyer, chegou em sexto lugar. Como um aparte interessante, ele propôs recentemente um salário mínimo de 22 dólares/hora, que é de longe maior do que os 15 dólares/hora pedidos por Sanders, Warren e pela maioria dos grupos à esquerda. Tulsi Gabbard, do Havaí – que muitos haviam esquecido que ainda se encontrava na disputa – chegou em sétimo. E Andrew Yang – cujo “Bando de Yang” esperava um “dividendo da liberdade” de mil dólares mensais de renda básica universal – chegou em oitavo, encerrando subsequentemente sua campanha quixotesca.

O senador do Colorado, Michael Bennet também terminou com sua candidatura à Casa Branca. E o ex-governador de Massachusetts, Deval Patrick, que recebeu apenas 0,4% dos votos, também sinalizou que poderia estar terminando sua campanha, ao declarar: “Não importa o que aconteça, o futuro dessa campanha permanece” – o que quer que isso signifique.

Cuidados de saúde na linha de frente

As pesquisas de boca de urna em Iowa e New Hampshire mostraram que os cuidados de saúde são uma questão política importante na mente dos eleitores Democratas. Os candidatos do partido estão divididos entre aqueles, como Sanders e Warren, que pedem o “Medicare for all”, os que querem apenas expandir o Medicare e os que rejeitam o Medicare for All, preferindo, em vez disso, manter de pé os escombros do Obamacare. À medida em que prossegue a campanha, essas diferenças certamente surgirão com frequência crescente; é, portanto, útil entender o que está sendo exatamente proposto.

Em uma das extremidades do espectro está o Obamacare, uma colcha de retalhos de seguros privados e Medicare com subsídios governamentais para os mais pobres da sociedade – subsídios que vão diretamente para os bolsos das grandes empresas de seguro. Cerca de 30 milhões de norte-americanos permanecem sem cobertura nesse plano. Mas mesmo isso é demais para Trump e companhia, que querem desmantelar o Obamacare sem oferecer nada em seu lugar.

Por outro lado, o plano de Sanders garantiria cobertura para todos no ponto de serviço. De acordo com sua proposta, seria pago através de impostos sobre a folha de pagamento dos empregadores. Às vezes isso é chamado de “pagador único”, pois o governo pagaria a conta em vez das pessoas, e as seguradoras ficariam totalmente fora. Não é novidade que seis em cada dez eleitores de New Hampshire preferem um sistema de pagamento único – e cerca de 40% deles votaram por Sanders. Os que se opõem ao pagamento único dividem os seus votos, mais ou menos igualmente, entre Buttigieg e Klobuchar, com Biden ganhando igualmente alguns desses eleitores.

Embora a cobertura universal seja um enorme passo à frente, preservaria a natureza privada e os fins lucrativos da prestação de serviços de saúde. E, embora no papel, um imposto sobre a folha de pagamento do lado do empregador pareça melhor que um imposto sobre a folha de pagamento do lado do empregado, esses custos quase certamente seriam repassados aos trabalhadores de uma forma ou de outra. Infelizmente, nenhum dos candidatos defende serviços de saúde genuinamente socializados, em que as indústrias hospitalares, médicas e farmacêuticas seriam nacionalizadas sob propriedade pública, administradas sob controle democrático e operadas no interesse de todos. Isso, naturalmente, era de se esperar de um partido capitalista como o Democrata.

A outra questão-chave na mente dos eleitores, naturalmente, é: quem pode ganhar de Trump? As pesquisas de boca de urna em New Hampshire indicaram que os eleitores preferem votar em alguém que possa expulsar a pontapés “O Donald da Avenida Pennsylvania, 1600”, do que em alguém que se alinhe mais próximo de suas opiniões políticas. Os resultados mais recentes parecem indicar que os Democratas de New Hampshire estão divididos entre os que acham que o apelo de Sanders de uma “revolução política contra a classe bilionária” é o caminho para derrotar Trump, e os “moderados”, como Klobuchar e Buttigieg. Klobuchar se queixou de que indicar um candidato que se reivindica socialista seria uma catástrofe para o partido, enquanto Buttigieg assegurou que “um prefeito de classe média e um veterano do centro-oeste eram a escolha correta para assumir essa presidência”.

O ex-prefeito de South Bend, Indiana, que parece usar uma metralhadora automática de sons, resumiu sua oposição à visão de Sanders ao declarar que “os norte-americanos vulneráveis não têm o luxo de buscar a pureza ideológica de uma vitória inclusiva”. Ele também fez uma investida não muito sutil na diferença geracional entre os dois: “Eu admirava o senhor Sanders quando era estudante secundarista. E o respeito muito até hoje”.

Divisões no topo

A idade de Sanders ainda pode se tornar um problema na campanha. Caso ganhe a presidência, estaria com 79 anos de idade após sua posse, o que o tornaria o presidente mais velho da história dos EUA. E há apenas quatro meses ele sofreu um ataque cardíaco na campanha eleitoral. No entanto, nada disso afetou sua atração entre os jovens. De fato, houve uma clara divisão geracional em New Hampshire, com 51% dos eleitores entre 18 e 29 anos de idade favorecendo Sanders sobre Buttigieg, que ganhou apenas 18% neste grupo demográfico. E entre os eleitores de 30 a 44 anos de idade, Sanders bate Buttigieg por 36% a 22%. Só entre os que têm mais de 45 anos de idade, Buttigieg superou o seu rival mais velho. Isso é uma prova positiva de que, mesmo que Sanders não consiga superar as probabilidades e vencer desta vez, os jovens estão claramente oscilando para a esquerda – algo que deve aterrorizar a classe dominante.

Muito está em jogo enquanto a campanha vai para a Carolina do Sul, com sua grande população negra, e para Nevada, com sua grande população latina. Biden atualmente está na liderança na Carolina do Sul, mas Sanders está ganhando impulso depois de Iowa e New Hampshire. Sanders, nas pesquisas, está forte em Nevada, mas Biden espera se sair bem também, dada a população não-branca e seus laços com os sindicatos. Em um exemplo repugnante da visão paroquiana dos líderes sindicais, a liderança do grande e influente sindicato dos trabalhadores da culinária em Las Vegas publicou um folheto alegando que Sanders eliminará o plano de saúde dos membros do sindicato! Em vez de lutar por melhores cuidados de saúde para todos os trabalhadores, sua abordagem estreita de “nossos filiados em primeiro lugar” mina o enorme potencial da classe trabalhadora se estivesse unida através de linhas sindicais e não-sindicais. Destaca também a colaboração de classe dos principais líderes sindicais com o Partido Democrata.

Certamente, essa não seria uma eleição norte-americana se bilhões de dólares não estivessem sendo gastos para influenciar os eleitores. A maioria dos grandes doadores espera algo como retorno de suas contribuições e, se parecer improvável que um determinado investimento produza um retorno, o financiamento pode rapidamente secar. Embora bilionários que se autofinanciam, como Steyer e Bloomberg, não precisem se preocupar, as apostas na Carolina do Sul e Nevada são particularmente altas para Biden e Warren. Ambos já reduziram a publicidade em Nevada devido à pressão em seus cofres. Com a Super Terça-Feira se aproximando rapidamente, e com Michael Bloomberg gastando centenas de milhões de dólares nos quatorze estados em disputa, Biden e Warren podem em breve estar numa situação de “pegar ou largar”.

Sanders, por outro lado, continua a construir um grande cofre de guerra baseado em pequenas contribuições. Sua campanha levantou 25 milhões de dólares em janeiro e, mesmo antes de se fecharem as urnas em New Hampshire, ele recebeu 600 mil dólares de contribuições adicionais nos primeiros nove dias de fevereiro. Essa ampla base de apoio deve levá-lo até as rodadas finais do processo de indicação.

Buttigieg pode estar na liderança com 21 delegados assegurados até agora. No entanto, com 1.991 delegados necessários para ganhar a indicação e com 55 primárias e caucuses ainda por percorrer, o caminho para a convenção será longo e sinuoso. Mesmo que Sanders saia na frente entre os “progressistas”, enquanto o voto “moderado” se divide entre Buttigieg, Biden e Klobuchar, não está garantido que ganhe a indicação, mesmo que o peso dos superdelegados não se produza de imediato. Podemos estar seguros de que, por trás do pano, a troca de cavalos e as disputas pela posição levarão a um ou a outro dos candidatos “moderados” a aparecer antes da convenção ou durante ela. Se isso acontecer e Sanders “perder” para as forças combinadas que ganharam menos votos e delegados do que ele, como ele reagirá? Como seus apoiadores vão reagir?

Também vale a pena notar que, embora Trump esteja sem oposição na maioria dos estados, em New Hampshire, aproximadamente 150 mil eleitores votaram na Primária Republicana – e 15% votaram contra ele. Trump perdeu no estado por uma margem estreita em 2016 e isso pode ser um mau sinal para ele dessa vez.

Em 2016, a recessão de 2008 foi mais proeminente na mente dos eleitores. As eleições de 2020 estão se desenrolando durante a mais longa recuperação econômica registrada. Mas também é uma das recuperações mais fracas. Bernie concordou com a propaganda dos outros – que os problemas que os trabalhadores enfrentam são causados principalmente por Trump e os Republicanos. Mas as políticas de Trump não são a razão fundamental do sofrimento dos trabalhadores – a razão principal é a enfermidade do capitalismo norte-americano.

Lenin explicou que as divisões no topo da sociedade são o primeiro e o “principal sintoma” do surgimento de uma situação revolucionária, que se eleva “quando é impossível para a classe dominante manter seu governo sem qualquer mudança; quando há uma crise, de uma forma ou de outra, entre as ‘classes altas’, uma crise na política da classe dominante, levando a uma fissura através da qual irrompe o descontentamento e a indignação das classes oprimidas”.

Ainda não estamos às vésperas da terceira Revolução Americana, mas estamos mais próximos dela do que pode pensar a maioria das pessoas. As divisões dentro do Partido Democrata e entre Democratas e Republicanos são um sintoma importante do início desse processo. Enquanto mantêm um olho nessas dinâmicas no topo, os marxistas devem também ficar focados nos fundamentos: a iminente crise econômica, a intensificação da luta de classes, a necessidade de um partido socialista de massas da classe trabalhadora e a necessidade de se construir uma alternativa revolucionária para lutar pelo socialismo em nossa vida.

Join us

If you want more information about joining the IMT, fill in this form. We will get back to you as soon as possible.