A “segunda onda” traz consigo uma onda de protestos na Itália

A Itália está sendo atingida por uma segunda onda da pandemia, o que resultou em novas medidas de bloqueio. Com o governo fazendo pouco para apoiar aqueles que enfrentam o vírus e o desemprego, setores da classe trabalhadora e da classe média têm se mostrado frustrados. Essa ira deve ser canalizada em uma direção positiva pelo movimento dos trabalhadores, cujos líderes até agora se recusaram a oferecer qualquer caminho a seguir.

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A Itália está sendo atingida por uma segunda onda de Covid-19, com o número de contaminações muito superior ao da primavera passada. Em seis meses, o governo nada fez para evitar um novo surto. Pelo contrário, todas as atividades foram mantidas abertas, com uma enxurrada de propaganda governamental de que o contágio era menor do que em outros países europeus e na esperança de explorar isso como uma vantagem competitiva. Agora podemos ver as consequências, com 30 mil novos casos por dia, espalhados por todo o país, enquanto na primavera se concentrava principalmente nas regiões do norte da Lombardia e Vêneto.

A economia está despencando. A Itália nunca se recuperou da crise de 2009. Em 2019, o PIB ainda era inferior aos níveis anteriores a 2009 em termos de valor real, e, para 2020 a previsão é de pelo menos uma queda de -11,2%. Após anos de austeridade implacável, a dívida pública aumentou para 135% do PIB no final de 2019. No final de 2020, o governo espera que atinja 158% do PIB.

Em março, uma onda de greves espontâneas obrigou o governo a encerrar algumas atividades produtivas não essenciais a fim de proteger a saúde dos trabalhadores e impedir as demissões. Embora ainda esteja formalmente em vigor (e foi prolongado até março de 2021), 472 mil empregos foram perdidos entre fevereiro e julho de 2020. Em uma base anual, as perdas de empregos chegam a 841 mil.

Cerca de 38,8% das empresas italianas declararam que correm o risco de fechar. Essa proporção sobe para 65,2% nos setores de hotelaria e alimentação.

Os subsídios públicos têm apoiado principalmente as grandes empresas, para garantir os lucros dos milionários. Essas empresas também são aquelas que podem continuar operando, independentemente de saúde pública. Os trabalhadores assalariados estão sujeitos a grandes pressões, considerando os riscos para a saúde decorrentes da flexibilização das medidas de segurança nos locais de trabalho e a perda de salários nos setores que reduzem a produção. Ao mesmo tempo, horas extras e a intensificação dos ritmos de trabalho são impostos em outros setores. Os capitalistas estão preocupados com uma onda crescente de descontentamento que irrompa em um conflito aberto. A força potencial do movimento dos trabalhadores é a razão pela qual o governo teve que introduzir um congelamento temporário nas demissões.

Aqueles que dirigem pequenos negócios ou trabalham sem qualquer rede de segurança em setores que sofrem com as condições de bloqueio, que trabalham com contratos casuais ou perderam seus empregos e não têm esperança de encontrar outro, são lançados na miséria e na incerteza sem perspectiva de uma saída. Para esses setores, as novas medidas de bloqueio (parcial), introduzidas em outubro, representaram o limite do que podem suportar.

Na entrevista coletiva que anunciou as medidas, o primeiro-ministro Conte demonstrou seu rastejante servilismo ao grande capital e identificou os setores que deveriam ser sacrificados no altar dos lucros de poucos que, ainda hoje, continuam a acumular riquezas impressionantes. Todas as fábricas, consideradas essenciais ou não, deveriam continuar a produzir, enquanto as lojas, os restaurantes e os bares foram obrigados a encerrar às 18 horas. Já os teatros, os ginásios e os cinemas foram totalmente fechados.

A raiva, que vem crescendo há anos logo abaixo da superfície, estourou em várias manifestações, primeiro em Nápoles e depois em outras cidades italianas.

Os protestos em Nápoles

No dia anterior ao anúncio do decreto do primeiro-ministro de 24 de outubro, De Luca, governador da região da Campânia, reeleito algumas semanas antes com 69,5% dos votos, falou ao vivo no Facebook para anunciar os termos do bloqueio regional. De Luca usou tons ásperos, mas a verdade é que, nos oito meses desde o início da pandemia, ele não levantou um dedo para fortalecer o precário serviço de saúde ou de transporte público da região. A declaração de um novo bloqueio, sem sequer anunciar a disponibilização de recursos para amparar a renda dos trabalhadores e dos pequenos negócios, provocou uma resposta imediata. Após o anúncio, ocorreram manifestações espontâneas com milhares de pessoas.

A ira que irrompeu poucas horas depois do discurso de De Luca vem de longa data. A região da Campânia, embora mantenha a maior presença de plantas industriais no sul da Itália, passou por um processo devastador de desindustrialização ao longo dos anos. Como resultado da crise de 2008, muitas fábricas foram abandonadas, enquanto outras foram reduzidas, aumentando o flagelo do desemprego, que é abundante. Milhares desses trabalhadores encontraram novos empregos no setor turístico, na maioria dos casos, por meio de empregos mal pagos, sazonais, desprotegidos e ocasionais.

Outros milhares, especialmente os mais jovens, foram obrigados a emigrar para o norte do país ou para o estrangeiro. O impacto da pandemia acabou com tudo isso. Qualquer esperança de encontrar sua própria saída individual, embora com dificuldade, foi frustrada. Ao mesmo tempo, as ilusões colocadas por milhões de trabalhadores e jovens em algumas formações políticas, e especialmente no Movimento 5 Estrelas, foram destruídas.

As muitas manifestações dos últimos dias são um reflexo da dinâmica social em curso. Estamos vendo a agitação se espalhando entre os trabalhadores da indústria cultural e de entretenimento, entre pequenos lojistas, trabalhadores do turismo, bartenders, garçons, animadores, bem como donos de restaurantes, academias e piscinas que estão tomando juntos as ruas. Uma mescla da pequena burguesia empobrecida e alguns setores da classe trabalhadora que, apesar de sua heterogeneidade, enchem as mesmas praças compartilhando a mesma demanda: se você nos fechar, terá que nos pagar!

Essas manifestações foram recebidas com uma campanha repugnante da mídia, ecoada por todos os principais partidos políticos, denunciando em coro que se tratava de protestos de pessoas indisciplinadas, de negadores da Covid-19, de retardatários etc., liderados pelos cartéis criminosos da Camorra (a variedade local da Máfia) e que, portanto, devem ser condenadas. No entanto, o que vemos nessas praças é uma imagem diferente: a de um sentimento de crescente exasperação. Os confrontos ocorridos, que envolveram uma minoria, são uma expressão direta desta exasperação. O Estado nada fez nos últimos meses para fortalecer a saúde e resolver os problemas econômicos que ameaçam a subsistência de uma camada significativa da população. No entanto, levaram apenas algumas horas para preencher as praças com a polícia antimotim e o Exército na tentativa de conter os protestos.

Protestos no restante da Itália

Após as manifestações em Nápoles, protestos semelhantes rapidamente se espalharam por dezenas de outras cidades. Essas manifestações têm sido heterogêneas, não apenas em termos de quantidade, mas também em termos de composição social. De um modo geral, onde quer que tenha havido participação em massa, é porque as manifestações se relacionam com alguns dos setores mais afetados, como em Catania, Bari, Trieste e Florença. Os motivos para essas manifestações têm base material. Na Itália, a redução geral dos níveis de consumo em 2020 passa de 133 bilhões de euros, em comparação com o mesmo período de 2019 (-12,2% em termos reais), e estima-se que pelo menos 300 mil empregos serão perdidos em restaurantes, bares , pubs etc. Diante desse massacre social, o governo Conte reservou uma quantia ridícula de recursos e prometeu liberar verbas para demissões, que em milhares de casos ainda devem ser pagas aos trabalhadores.

Dinâmicas diferentes se desenvolveram em outras cidades. Em Roma, a presença organizada da Forza Nuova (uma pequena organização fascista) era evidente. No entanto, eles conseguiram mobilizar apenas algumas centenas de seus acólitos.

Por sua natureza, essas manifestações compostas por pequeno-burgueses empobrecidos, desempregados e trabalhadores temporários são politicamente instáveis. A extrema direita tenta se infiltrar neles, mas sua agitação “contra uma ditadura da saúde pública” não tem relação com as demandas e os ânimos expressos pela maioria dos manifestantes, que simplesmente exigem medidas de apoio público para sair da pobreza. Suas demandas poderiam ser impostas aos capitalistas e ao governo com uma mobilização geral, conectando suas demandas com as da classe trabalhadora. Nessa situação, o movimento operário organizado deveria propor um programa de cobrança de salário garantido para todos os desempregados, congelamento de aluguéis e reembolso de dívidas de pequenos negócios em crise e empréstimos a juros baixos concedidos pelo Estado através da nacionalização do sistema bancário. No entanto, é exatamente isso o que os dirigentes sindicais se recusam a exigir. Eles preferem denunciar essas manifestações como “de direita” e assim evitar ter que organizar uma luta, enquanto continuam a discutir amigavelmente com o governo. Isso abre espaço para a extrema direita ecoar, ou simplesmente contribui para um retorno à passividade temporária desses setores.

O elemento fundamental, entretanto, é que a raiva agora irrompeu na superfície. O desenvolvimento das lutas operárias, que se espalham pelo país, será decisivo.Em todas as principais cidades realizaram-se manifestações de trabalhadores da indústria do entretenimento e da cultura (teatros, música, dança, circo etc.), com a participação de centenas de trabalhadores. Este é um setor tradicionalmente mal organizado, que agora está envolvido em uma grande mobilização, surpreendendo a direção sindical que esperava uma participação bem menor. Nas manifestações, a reivindicação era “é certo fechar para proteger a saúde e a segurança, mas queremos renda garantida”.

Nas últimas semanas, funcionários de escolas se mobilizaram para exigir que as escolas sejam reabertas em condições seguras. Na quinta-feira, 5 de novembro, haverá uma greve nacional de quatro horas pela renovação do contrato nacional dos metalúrgicos, exigindo um aumento real do salário. Os trabalhadores estão protegendo a fábrica da Whirlpool em Nápoles contra o fechamento e bloquearam a rodovia. Vimos também as primeiras greves de enfermeiras, as “heroínas” da primavera, que agora têm que se submeter novamente a plantões de 12 horas em hospitais superlotados, adoecendo com Covid-19. Tal como aconteceu com as greves de março, a atual situação sanitária colocará mais uma vez diante dos trabalhadores o problema de garantir a segurança no próprio local de trabalho, encerrando atividades não essenciais e colocando a organização interna da segurança e saúde sob o seu controle direto.

A verdade é que somente o freio representado pela direção sindical impediu até agora que o estado de ânimo atual explodisse em mobilizações em milhares de locais de trabalho, movimento que poderia bloquear todo o país. Mas essa resistência em algum momento será superada pela pressão dos trabalhadores, como já aconteceu em março, quando a onda de greves explodiu fora do controle da direção sindical, que foi obrigada a se mobilizar e até ameaçar com uma greve geral contra sua própria vontade. A exasperação está emergindo em toda parte. Essas mobilizações, ainda fragmentadas e modestas em tamanho, são apenas uma antecipação do que está por vir e marcam um processo de despertar em massa que mudará completamente o cenário político do país no próximo período.

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