Ataques militares à Síria: o que significam?

Os EUA e seus “aliados”, o Reino Unido e a França bombardearam múltiplos alvos do governo na Síria em uma operação matutina dirigida contra supostos locais de armazenamento de armas químicas. O Pentágono informou que a capital, Damasco, foi atingida, assim como dois locais próximos à cidade de Homs. “As nações da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos da América mostraram o seu virtuoso poder contra a barbárie e a brutalidade”, disse o presidente Trump em seu discurso à nação desde a Casa Branca em torno das 21 horas, hora local.

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Em um briefing do Pentágono logo após o anúncio de Trump, o general Joseph Dunford enumerou os três alvos alcançados:

  • Uma instalação de pesquisa científica em Damasco, supostamente conectada à produção de armas químicas e biológicas.
  • Uma instalação de armazenamento de armas químicas a oeste de Homs.
  • Um local de armazenamento de equipamentos de armas químicas e um importante posto de comando, também próximos a Homs.

Os primeiros relatórios indicam que 110 mísseis de cruzeiro e a partir de aviões tinham como alvo duas instalações de “armas químicas” e um centro de comando dentro da Síria. Mas alguns informes afirmam que as defesas aéreas da Síria haviam derrubado a maioria dos mísseis. Em todo caso, todos aqueles locais já haviam sido evacuados. Isso porque a Rússia, que havia sido informada do ataque antecipadamente pelos estadunidenses, havia repassado a advertência aos seus aliados sírios.

A televisão estatal síria disse que as forças governamentais haviam derrubado mais de uma dúzia de mísseis e alegaram que apenas o centro de pesquisa em Damasco foi danificado. Três civis foram feridos em Homs, disse ela.

Um gesto vazio

Esta foi uma repetição exata do que ocorreu há 12 meses, quando os estadunidenses lançaram em torno de 50 mísseis Tomahawk contra um aeródromo esvaziado previamente na Síria. Os limitados danos causados foram rapidamente reparados. Os efeitos reais sobre a Guerra Civil em curso na Síria foram precisamente zero. E, embora desta vez tenham lançado o dobro do número de mísseis, é evidente para qualquer pessoa sensata que os efeitos práticos na Síria, desta vez, serão menores do que zero.

Existem vários aspectos peculiares à presente operação. Alega-se que o motivo por trás dela – agora eles falam de um motivo único – foi o suposto uso de armas químicas contra civis em Douma. Os russos e sírios negaram repetidamente que tal ataque tenha ocorrido. O ministro das relações exteriores russo, Sergey Lavrov, declarou categoricamente que os russos têm evidências irrefutáveis de que a coisa toda foi uma ação organizada pelos jihadistas em Douma com a colaboração de uma potência estrangeira não-identificada.

Do ponto de vista militar o ataque desta manhã pode não ter importância. Não pode ter causado danos sérios ou duradouros ao potencial militar de Assad. Nem pode ajudar aos chamados rebeldes a recuperar o que perderam. Para todos os efeitos, a Guerra Civil da Síria está agora no fim. Assad está em uma posição mais forte do que nunca. Toda conversa de removê-lo através de uma intervenção ocidental agora é conversa vazia e eles sabem disso.

A acusação de guerra química foi utilizada repetidamente pelo Ocidente para justificar as ações agressivas contra a Síria, destinadas a inclinar o equilíbrio militar em favor dos chamados rebeldes (na realidade, extremistas jihadistas ligados a Al Qaeda, que recentemente foram descritos por um proeminente deputado Conservador britânico como “maníacos”) e para derrubar Bashar al-Assad.

No entanto, estão agora cantando uma canção diferente. Theresa May está enfatizando que o atual ataque não tem nada a ver com mudança de regime na Síria. São apenas ações limitadas com objetivos limitados – deter a utilização de armas químicas, et cetera et cetera. Por trás desses patéticos comentários pode-se detectar uma nota de impotência, medo, até mesmo de pânico. E esta nota, muito mais do que a beligerância pública, a arrogância e os aplausos, está muito mais próxima da verdade.

“O objetivo de nossas ações de hoje é estabelecer uma forte barreira contra a produção, disseminação e uso de armas químicas”, Trump teve o cuidado de acrescentar em seu discurso desta manhã. A intenção da presente ação não é ganhar a guerra ou derrubar Assad – objetivos estes que estão totalmente fora de seu alcance. Foi um gesto vazio, destinado a convencer o mundo de que o poder estadunidense ainda é um fator de alguma importância. Foi ditado também pela necessidade de Donald Trump de reforçar sua posição frente ao ataque sustentado e determinado de seus inimigos em Washington e para mostrar suas credenciais anti-russas.

Medo de provocar a Rússia

Em seu pronunciamento anterior, o presidente Trump disse: “Estamos preparados para manter esta resposta até que o regime sírio pare de usar agentes químicos proibidos”. Mas o general Dunford confirmou que a onda de ataques havia terminado. E o Secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, se apressou a assegurar o que os jornalistas disseram, que “neste momento, trata-se de um único disparo”. Apesar das negativas do Pentágono, está bastante claro que a Rússia foi avisada antecipadamente dos alvos. O general Dunford disse que os EUA tinham escolhido alvos específicos que “reduziriam” o risco de baixas russas.

De repente, os líderes ocidentais estão se atropelando para assegurar ao mundo (e, em particular, a Moscou) que, tendo alcançado o seu objetivo, não tinham nenhum desejo de continuar despejando mísseis sobre a Síria. E que não desejam mais provocar a Rússia. Nos últimos dias, depois da campanha histérica inicial da mídia e das declarações beligerantes da Casa Branca, os tweetes de Trump adquiriram um tom inusitadamente moderado.

Embora até o momento não tenha havido nenhuma resposta da Rússia, seu embaixador nos EUA disse que o ataque sobre seus aliados “não ficará sem consequências”. A principal razão pela qual não houve reação militar foi porque nenhum dos mísseis chegou perto das áreas cobertas pelas defesas aéreas russas. Se tivessem chegado, teriam sido derrubados. Os russos inclusive advertiram que poderiam contra-atacar, atingindo as bases ou navios dos quais foram disparados os mísseis ofensivos.

Está bastante claro que as cabeças mais sábias em Washington prevaleceram e um confronto mais sério foi evitado. No último período de 24 horas, todo ele submerso na crise atual, os presidentes Trump e Putin estiveram em contato telefônico regular, da mesma forma que as forças armadas russa e estadunidense. Este fato, muito mais que os gritos e berros histéricos de Londres e Paris, revela a verdadeira situação.

Apesar de seu apelido de “Mattis, o cão raivoso”, o general Mattis é um homem inteligente que sabe muito bem das consequências potenciais de uma ação militar precipitada na Síria. Depois das experiências desastrosas do Iraque e do Afeganistão, nem ele, nem o Pentágono, nem o público estadunidense têm qualquer apetite para serem arrastados a uma guerra terrestre na Síria. Paradoxalmente, nesta ocasião, os generais estadunidenses mostraram ter mais bom senso que muitos políticos.

Vai Trump buscar um acordo?

Se sabemos algo sobre o atual ocupante da Casa Branca, a presente leviandade provavelmente será o primeiro passo de uma tentativa de se alcançar um acordo com Putin – que era a intenção de Trump desde o início. Donald Trump é um isolacionista. Ele não tem nenhum interesse na Síria e gostaria de fazer um acordo (ele se orgulha de ser o ás da negociação) com o homem do Kremlin. Tendo mostrado seus músculos e sua determinação de “enfrentar a Rússia”, o palco está montado para negociações e “acordos”.

Parece isso improvável? Não é mais improvável do que as declaradas intenções de Trump de negociar cara-a-cara com aquele mesmo “pequeno homem foguete”, cujo país ele prometeu há pouco limpar da face da Terra. Pelo contrário, ele argumentará que agora que salvou o planeta da Terceira Guerra Mundial e que colocou a Rússia em seu lugar, chegou a hora de negociar a paz e de dar um fim a uma dispendiosa e inútil corrida armamentista.

Tal movimento seria o mais inteligente a adotar do ponto de vista de Trump. Certamente colocaria seus inimigos em posição incômoda, tanto em casa quanto no exterior. Também envergonharia gente como Theresa May e seu Secretário do Exterior Boris, os bufões que estavam latindo mais forte que o restante da manada sobre a “ameaça russa” e que agora terão de encontrar a forma e os meios para engolir suas próprias palavras. Nós lhes desejamos: bon appetit.

Depois de sete anos de guerra civil, a Síria foi devastada, e milhões de pessoas foram assassinadas, mutiladas ou forçadas a deixar suas casas. A Síria foi dilacerada e não há mais conserto. Todas as pessoas de mente sã desejam fervorosamente dar um fim a este conflito sangrento. No entanto, os que gritam mais alto e mais insistentemente sobre humanitarismo e paz são os que mais estão fazendo para lançar gasolina nas chamas e continuar a guerra. Os principais culpados são os imperialistas estadunidenses e seus lacaios servis, cínicos e lambedores de bota em Londres e Paris.

O “poder virtuoso” da Grã-Bretanha, França e EUA é o poder do imperialismo que em nenhum momento e em nenhum outro lugar representou qualquer coisa além dos interesses cínicos da classe dominante. Toda a história dessas potências é precisamente uma história de barbárie e brutalidade, particularmente contra os povos do Oriente Médio.

O que menos preocupa essas damas e cavalheiros é o destino do povo pobre da Síria que permanece como vítimas silenciosas de suas intrigas e manobras cínicas. Suas conversas sobre paz e humanitarismo é apenas uma cobertura hipócrita para a perseguição de seus próprios interesses egoístas no Oriente Médio. Nas palavras do historiador romano Tácito: “E quando criaram um deserto, o chamaram de Paz”.