Beethoven: homem, compositor e revolucionário (Parte 1)

Se algum compositor merece o nome de revolucionário, é Ludwig van Beethoven. Ele realizou aquela que foi provavelmente a maior revolução da música moderna e mudou a maneira como a música era composta e ouvida. É uma música que não acalma, mas choca e perturba. Alan Woods descreve como o mundo em que Beethoven nasceu era um mundo em turbulência, um mundo em transição, um mundo de guerras, revolução e contrarrevolução: um mundo como o nosso próprio mundo.


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“Beethoven é amigo e contemporâneo da Revolução Francesa, e ele permaneceu fiel a ela mesmo quando, durante a ditadura jacobina, humanitários com nervos fracos do tipo Schiller se afastaram dela, preferindo destruir tiranos no palco teatral com a ajuda de espadas de papelão. Beethoven, aquele gênio plebeu, que orgulhosamente deu as costas a imperadores, príncipes e magnatas – esse é o Beethoven que amamos por seu otimismo inatacável, sua tristeza viril, pelo pathos inspirado de sua luta e por sua vontade de ferro que permitiu-lhe agarrar o destino pela garganta “. (Igor Stravinsky)

Se algum compositor merece o nome de revolucionário, é Beethoven. A palavra revolução deriva historicamente das descobertas de Copérnico, que estabeleceu que a Terra gira em torno do Sol e, assim, transformou a maneira como vemos o universo e nosso lugar nele. Da mesma forma, Beethoven realizou a que, provavelmente, foi a maior revolução da música moderna. Sua produção foi vasta, incluindo nove sinfonias, cinco concertos para piano e outros para violino, quartetos de cordas, sonatas para piano, canções e uma ópera. Ele mudou a maneira como a música era composta e ouvida. Até o fim, ele nunca deixou de levar a música ao seu limite.

Depois de Beethoven, passa a ser impossível voltar aos velhos tempos, quando a música era vista como um soporífico para os ricos, que podiam cochilar durante uma sinfonia e depois ir para casa em silêncio e dormir. Depois de Beethoven, não se volta mais de um concerto cantarolando músicas agradáveis. É uma música que não acalma, mas choca e perturba. É uma música que faz você pensar e sentir.

Primeiros anos

Marx destacou que a diferença entre a França e a Alemanha é que, enquanto os franceses realmente fizeram revoluções, os alemães apenas especularam sobre elas. O idealismo filosófico floresceu na Alemanha no final do século 18 e início do século 19, pela mesma razão. Na Inglaterra, a burguesia estava efetuando uma grande revolução histórica mundial na produção, enquanto do outro lado do Canal da Mancha, os franceses realizavam uma revolução igualmente grande na política. Na Alemanha atrasada, onde as relações sociais ficaram para trás da França e da Inglaterra, a única revolução foi uma revolução na mente dos homens. Kant, Fichte, Schelling e Hegel discutiram sobre a natureza do mundo e das ideias, enquanto outras pessoas em outros países começaram a revolucionar o mundo e as mentes de homens e mulheres.

O movimento Sturm und Drang era uma expressão desse fenômeno tipicamente alemão. Goethe foi influenciado pela filosofia idealista alemã, especialmente por Kant. Aqui podemos detectar os ecos da revolução francesa, mas são distantes e indistintos, e estão estritamente confinados ao mundo abstrato da poesia, música e filosofia. O movimento Sturm und Drang na Alemanha refletia a natureza revolucionária da época no final do século 18. Foi um período de enorme fermentação intelectual. Os filósofos franceses anteciparam os eventos revolucionários de 1789 ao atacarem a ideologia do antigo regime. Como Engels colocou no Anti-Duhring:

“Os grandes homens, que na França prepararam as mentes dos demais para a revolução que se aproximava, eram eles próprios revolucionários extremos. Eles não reconheciam nenhuma autoridade externa de qualquer espécie. Religião, ciências naturais, sociedade, instituições políticas — tudo era submetido às críticas mais implacáveis; tudo devia justificar sua existência perante o tribunal da razão ou abandonar a existência. A razão se tornou a única medida de tudo. Foi o momento em que, como Hegel diz, o mundo estava de cabeça para baixo; primeiro no sentido de que a cabeça humana e os princípios alcançados por seu pensamento clamavam ser a base de toda ação e associação humana; mas aos poucos, também, no sentido mais amplo de que a realidade que estava em contradição com esses princípios deveria, de fato, ser virada de cabeça para baixo”.

O impacto desse fermento pré-revolucionário na França se fez sentir muito além das fronteiras daquele país: na Alemanha, na Inglaterra e até na Rússia. Na literatura, gradualmente as antigas formas corteses foram sendo dissolvidas. Isso se refletiu na poesia de Wolfgang Goethe — o maior poeta que a Alemanha produziu. Sua grande obra-prima, Fausto, é atingida por um espírito dialético. Mefistófeles é o espírito vivo da negação que penetra em tudo. Esse espírito revolucionário encontrou eco nas obras posteriores de Mozart, principalmente em Don Giovanni, que, entre outras coisas, contém um coro emocionante com as palavras: “Vida longa à liberdade!” Mas é somente com Beethoven que o espírito da Revolução Francesa encontra sua verdadeira expressão na música.

Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn, em 16 de novembro de 1770, filho de um músico, de uma família de origem flamenga. Seu pai, Johann, era empregado da corte do arcebispo eleitor. Ele era, de todas as formas, um homem severo, brutal e dissoluto. Sua mãe, Maria Madalena, suportou seu martírio com resignação silenciosa. Os primeiros anos de Beethoven não foram felizes. Isso provavelmente explica seu caráter introvertido e um tanto grosseiro, bem como seu espírito rebelde.

A educação inicial de Beethoven foi, na melhor das hipóteses, irregular. Ele deixou a escola aos onze anos. A primeira pessoa a perceber o enorme potencial do jovem foi o organista da corte, Gottlob Neffe, que o apresentou aos trabalhos de Bach, especialmente O Cravo Bem Temperado.

Observando o talento precoce de seu filho, Johann tentou transformá-lo em um prodígio infantil — um novo Mozart. Aos cinco anos, ele foi exibido em um concerto público. Mas Johann estava fadado ao desapontamento: Ludwig não era um Mozart da infância. Surpreendentemente, ele não tinha inclinação natural para a música e teve que ser empurrado. Então seu pai o enviou a vários professores para martelar música em sua cabeça.

Beethoven em Viena

Nessa época, Bona, capital do eleitorado de Colônia, era um remanso provincial sonolento. Para avançar, o jovem músico teve que ir estudar música em Viena. A família não era rica, mas em 1787 o jovem Beethoven foi enviado à capital pelo arcebispo. Foi aqui que ele conheceu Mozart, que ficou impressionado com ele. Mais tarde, um de seus professores foi Haydn. Mas depois de apenas dois meses, ele teve que voltar para Bonn, onde sua mãe se encontrava gravemente doente. Ela morreu logo depois. Essa foi a primeira de muitas tragédias pessoais e familiares que perseguiram Beethoven por toda a vida. Em 1792, o ano em que Louis XVI foi decapitado, Beethoven finalmente se mudou de Bonn para Viena, onde viveu até a morte.

Os retratos que chegaram até nós mostram um jovem pensativo e sombrio, com uma expressão que transmite uma sensação de tensão interior e uma natureza apaixonada. Fisicamente, ele não era bonito: uma cabeça grande e um nariz romano, um rosto com marcas de espinhas e cabelos grossos e espessos, que pareciam nunca ser penteados. Por sua pele escura, ganhou o apelido de “o espanhol”. Baixo, atarracado e bastante desajeitado, ele possuía o comportamento e as maneiras de um plebeu — um fato que não podia ser disfarçado pelas roupas elegantes que usava quando jovem.

Esse rebelde nato apareceu na Viena aristocrática e exigente, desleixado, mal vestido e mal humorado, sem nenhum dos ares e graças educados que se poderia esperar dele. Como qualquer outro compositor da época, Beethoven era obrigado a contar com doações e comissões de patronos ricos e aristocráticos. Mas ele nunca foi possuído por eles. Ele não era um cortesão musical, como era Haydn na corte da família Esterhazy. O que eles pensavam desse homem estranho não é conhecido. Mas a grandeza de sua música garantiu-lhe comissões e, portanto, um meio de vida.

Ele deve ter se sentido completamente deslocado. Ele desprezava a convenção e a ortodoxia. Ele não estava nem um pouco interessado em sua aparência ou arredores. Beethoven era um homem que vivia e respirava por sua música e não se preocupava com os confortos do mundo. Sua vida pessoal era caótica e instável, e poderia ser descrita como boêmia. Ele viveu na extrema miséria. Sua casa estava sempre uma bagunça, com pedaços de comida espalhados e até mesmo penicos não esvaziados.

Sua atitude para com os príncipes e nobres que o pagavam foi transmitida em uma pintura famosa. O compositor é mostrado durante um passeio com o poeta Goethe, a arquiduquesa Rudolph e a imperatriz. Enquanto Goethe respeitosamente dá lugar ao par real, educadamente tirando o chapéu, Beethoven os ignora completamente e continua andando sem sequer reconhecer as saudações da família imperial. Essa pintura contém todo o espírito do homem, um espírito destemido, revolucionário e intransigente. Sufocando na atmosfera burguesa de Viena, ele escreveu um comentário desesperador: “Enquanto os austríacos tiverem sua cerveja escura e salsichinhas, eles nunca se revoltarão“.1

Uma época revolucionária

O mundo em que Beethoven nasceu era um mundo em turbulência, um mundo em transição, um mundo de guerras, revolução e contrarrevolução: um mundo como o nosso próprio mundo. Em 1776, os colonos americanos conseguiram conquistar sua liberdade através de uma revolução que assumiu a forma de uma guerra de libertação nacional contra a Grã-Bretanha. Este foi o primeiro ato de um grande drama histórico.

A Revolução Americana proclamou os ideais de liberdade individual derivados do Iluminismo francês. Pouco mais de uma década depois, as ideias dos Direitos do Homem retornaram à França de maneira ainda mais explosiva. A tomada da Bastilha em julho de 1789 marcou uma virada decisiva na história mundial.

Em seu período de ascensão, a Revolução Francesa varreu todo o lixo acumulado do feudalismo, pôs uma nação inteira de pé e confrontou toda a Europa com coragem e determinação. O espírito libertador da Revolução na França varreu como fogo a Europa. Um período como esse exigia novas formas de arte e novas formas de expressão. Isso foi alcançado na música de Beethoven, que expressa o espírito da época melhor do que qualquer outra coisa.

Em 1793, o rei Luís da França foi executado pelos jacobinos. Uma onda de choque e medo varreu todas as cortes da Europa. As atitudes em relação à França revolucionária endureceram. Aqueles “liberais” que inicialmente saudaram a Revolução com entusiasmo, agora fugiam para o lado da reação. O antagonismo das classes proprietárias em relação à França foi expresso por Edmund Burke em suas Reflexões sobre a Revolução na França. Em todos os lugares os apoiadores da revolução eram encarados com suspeita e perseguidos. Não era mais seguro ser amigo da Revolução Francesa.

Foram tempos de tempestade. Os exércitos revolucionários da jovem república francesa derrotaram os exércitos da Europa feudal-monarquista e estavam contra-atacando por toda a linha. O jovem compositor foi, desde o início, um admirador ardente da revolução francesa e ficou horrorizado com o fato da Áustria ser a força principal da coalizão contrarrevolucionária contra a França. A capital do Império estava infectada por um clima de terror. O ar estava cheio de suspeitas; os espiões estavam sempre presentes e a liberdade de expressão era sufocada pela censura. Mas o que não poderia ser expresso pela palavra escrita poderia encontrar uma expressão na grande música.

Seus estudos com Haydn não foram muito bem. Ele já estava desenvolvendo ideias originais sobre música, que não deram certo com o velho, firmemente ligado ao velho estilo aristocrático da música clássica. Foi um choque do antigo com o novo. O jovem compositor estava se destacando como pianista. Seu estilo era violento, como a época que o produziu. Dizem que ele batia nas teclas com tanta força, que arrebentava as cordas. Ele estava começando a ser reconhecido como um compositor novo e original. Ele tomou Viena de assalto. Foi um sucesso.

A vida pode pregar as peças mais cruéis em homens e mulheres. No caso de Beethoven, o acaso preparou um destino particularmente cruel. Em 1796-7, Beethoven adoeceu — possivelmente com um tipo de meningite — que afetou sua audição. Ele tinha 28 anos e estava no auge da fama. E estava perdendo sua audição. Por volta de 1800, ele experimentou os primeiros sinais de surdez. Embora ele não tenha se tornado completamente surdo até os últimos anos, a consciência da sua condição degenerativa deve ter sido uma tortura terrível. Ele ficou deprimido e com ideias suicidas. Ele escreveu sobre seu tormento interior e como apenas sua música o impedia de tirar a própria vida. Essa experiência de intenso sofrimento e a luta para superá-lo impregnam sua música e a imbuem de um espírito profundamente humano.

Sua vida pessoal nunca foi feliz. Ele tinha o hábito de se apaixonar pelas filhas (e esposas) de seus ricos patrões — o que sempre terminava mal, com novos episódios depressivos. Após um desses períodos de depressão, ele escreveu:

“A arte, e somente a arte, me salvou! Parece-me impossível deixar este mundo sem ter dado tudo o que senti germinando dentro de mim”.

No início de 1801, ele passou por uma grave crise pessoal. Segundo o Testamento de Heiligenstadt, ele estava à beira do suicídio. Tendo se recuperado de sua depressão, Beethoven se lançou com renovado vigor ao trabalho de criação musical. Um homem menor teria sido destruído por esses golpes. Mas Beethoven transformou sua surdez — uma incapacidade aleijante para qualquer um, mas uma catástrofe para um compositor — em vantagem. Seu ouvido interno lhe forneceu tudo o que era necessário para compor boa música. No mesmo ano de sua crise mais devastadora (1802), ele compôs sua grande sinfonia “Eroica”.

A dialética da sonata

A dinâmica da música de Beethoven era inteiramente nova. Os compositores anteriores escreveram partes tranquilas e partes estrondosas. Mas as duas eram mantidas completamente separadas. Em Beethoven, pelo contrário, passamos rapidamente de uma para a outra. Essa música contém uma tensão interior, uma contradição não resolvida que exige urgentemente resolução. É a música da luta.

A forma sonata é uma maneira de elaborar e estruturar a matéria musical. É baseada em uma visão dinâmica da forma musical e é dialética em essência. A música se desenvolve através de uma série de elementos que se opõem. No final do século 18, a forma sonata dominava grande parte da música composta. Embora não seja nova, a forma sonata foi desenvolvida e consolidada por Haydn e Mozart. Mas nas composições do século 18, temos apenas o potencial da forma sonata, e não o seu verdadeiro conteúdo.

Em parte (mas apenas em parte), isso é uma questão de técnica. A forma que Beethoven usou não era nova, mas a maneira como ele a usou sim. A forma sonata começa com um primeiro movimento rápido, seguido por um segundo movimento mais lento, um terceiro movimento de caráter mais alegre (originalmente um minueto, depois um scherzo, que literalmente significa uma piada) e termina, como começou, com um movimento rápido.

Basicamente, a forma sonata é baseada na seguinte linha de desenvolvimento: A-B-A. Ela volta ao começo, mas em um nível superior. Este é um conceito puramente dialético: movimento através da contradição, a negação da negação. É um tipo de silogismo musical: exposição-desenvolvimento-recapitulação, ou expresso em outros termos: tese-antítese-síntese.

Esse tipo de desenvolvimento está presente em cada um dos movimentos. Mas há também um desenvolvimento geral em que há temas conflitantes que são finalmente reconciliados em um “final feliz”. Na coda final, retornamos à chave inicial, criando a sensação de uma apoteose triunfal.

Esta forma contém o germe de uma ideia profunda e tem potencial para um desenvolvimento sério. Também pode ser expressa por uma ampla variedade de combinações instrumentais: piano solo, piano e violino, quarteto de cordas, sinfonia. O sucesso da forma sonata foi ajudado pela invenção de um novo instrumento musical: o pianoforte. Isso foi capaz de expressar toda a dinâmica do romantismo, enquanto o órgão e o cravo estavam restritos a tocar música escrita de acordo com os princípios da polifonia e do contraponto.

O desenvolvimento da forma sonata já estava muito avançado no final do século 18. Atingiu seu ponto alto nas sinfonias de Mozart e Haydn e, em certo sentido, poder-se-ia argumentar que as sinfonias de Beethoven são apenas uma continuação dessa tradição. Mas, na realidade, a identidade formal oculta uma diferença fundamental.

Em suas origens, a forma da sonata predominou sobre o seu conteúdo real. Os compositores clássicos do século 18 estavam preocupados principalmente em acertar a forma (embora Mozart seja uma exceção). Mas com Beethoven, o conteúdo real da forma sonata finalmente surge. Suas sinfonias criam uma sensação avassaladora do processo de luta e desenvolvimento por meio de contradições. Aqui temos o exemplo mais sublime da unidade dialética de forma e conteúdo. Este é o segredo de toda grande arte. Tais alturas raramente foram alcançadas na história da música.

Conflito interno

As sinfonias de Beethoven representam uma ruptura fundamental com o passado. Se as formas são superficialmente semelhantes, o conteúdo e o espírito da música são radicalmente diferentes. Com Beethoven — e os românticos que seguiram seus passos — o importante não são as formas em si mesmas, a simetria formal e o equilíbrio interno, mas o conteúdo. De fato, o equilíbrio é frequentemente perturbado em Beethoven. Existem muitas dissonâncias, refletindo conflitos internos

Em 1800, ele escreveu sua primeira sinfonia, uma obra que ainda tem suas raízes no solo de Haydn. É um trabalho ensolarado, livre do espírito de conflito e luta que caracteriza seus trabalhos posteriores. Realmente não dá ideia do que estava por vir. A sonata para piano Patética (opus 13) é completamente diferente. É bem diferente das sonatas para piano de Haydn e Mozart. Beethoven foi influenciado pela teoria da tragédia e da arte trágica de Schiller, que ele via, não apenas como sofrimento humano, mas, sobretudo, como uma luta para resistir ao sofrimento, para lutar contra ele.

A mensagem é expressa claramente no primeiro movimento, que se abre com sons complexos e dissonantes (ouça). Esses acordes misteriosos logo dão lugar a uma passagem agitada central que sugere essa resistência ao sofrimento. Esse conflito interno desempenha um papel fundamental na música de Beethoven e lhe confere um caráter completamente diferente daquele da música do século 18. É a voz de uma nova época: uma voz estrondosa que exige ser ouvida.

A questão que deve ser colocada é: como explicamos essa diferença marcante? A resposta curta e fácil é que essa revolução musical é o produto da mente de um gênio. Isso está correto. Provavelmente Beethoven foi o maior gênio musical de todos os tempos. Mas é uma resposta que realmente nada responde. Por que essa linguagem musical inteiramente nova surgiu precisamente neste momento e não 100 anos antes? Por que isso não ocorreu a Mozart, Haydn ou, nesse caso, a Bach?

O mundo sonoro de Beethoven não é composto de sons belos, como foi a música de Mozart e Haydn. Ele não bajula o ouvido ou manda o ouvinte embora batucando com os pés e assobiando uma música agradável. É um som áspero, uma explosão musical, uma revolução musical que transmite com precisão o espírito da época. Aqui não há apenas variedade, mas conflito. Beethoven frequentemente usa a direção sforzando — que significa ataque. É uma música violenta, cheia de movimento, mudanças rápidas de humor, conflito, contradição.

Com Beethoven, a forma sonata avança para um nível qualitativamente mais alto. Ele a transformou de uma mera forma para uma expressão poderosa e ao mesmo tempo íntima de seus sentimentos mais íntimos. Em algumas de suas composições para piano, ele escreveu a instrução: “sonata, quasi una fantasia“, indicando que buscava absoluta liberdade de expressão por meio da sonata. Aqui, a dimensão da sonata é amplamente expandida em comparação com sua forma clássica. Os tempos são mais flexíveis e até mudam de lugar. Acima de tudo, o final não é mais apenas uma recapitulação, mas um verdadeiro desenvolvimento e culminação de tudo o que aconteceu antes.

Quando aplicada a suas sinfonias, a forma sonata desenvolvida por Beethoven atinge um nível inédito de sublimidade e poder. A energia viril que impulsiona sua quinta e terceira sinfonias é prova suficiente disso. Não é música para escuta fácil ou entretenimento. É uma música que é projetada para se mover, chocar e inspirar à ação. É a voz da rebelião lançada na música.

Isso não é por acaso, pois a revolução da música de Beethoven ecoou uma revolução na vida real. Beethoven era um filho de sua idade — a era da Revolução Francesa. Ele escreveu a maior parte de sua maior obra no meio da revolução, e o espírito da revolução impregna cada nota dela. É absolutamente impossível entendê-lo fora desse contexto.

Beethoven corajosamente deixou de lado todas as convenções musicais existentes, assim como a revolução francesa limpou os estábulos augianos do passado feudal. Era um novo tipo de música, música que abriu muitas portas para futuros compositores, assim como a revolução francesa abriu as portas para uma nova sociedade democrática.

O segredo interior da música de Beethoven é o conflito mais intenso. É um conflito que assola a maior parte de sua música e atinge as alturas mais impressionantes nas últimas sete sinfonias, começando com a Terceira sinfonia, conhecida como Eroica. Este foi o verdadeiro ponto de virada na evolução musical de Beethoven, e também na história da música em geral. E as raízes dessa revolução na música devem ser encontradas fora da música, na sociedade e na história.

A sinfonia Eroica

Um ponto de virada decisivo, tanto na vida de Beethoven quanto na evolução da música ocidental, foi a composição de sua terceira sinfonia (a Eroica). Até então, a linguagem musical da primeira e da segunda sinfonias não se afastava substancialmente do mundo sonoro de Mozart e Haydn. Mas desde as primeiras notas da Eroica, entramos em um mundo completamente diferente. A música tem um subtexto político, cuja origem é bem conhecida.

Beethoven era um músico, não um político, e seu conhecimento dos eventos na França era necessariamente confuso e incompleto, mas seus instintos revolucionários eram infalíveis e, no final, sempre o levavam às conclusões corretas. Ele ouvira relatos da ascensão de um jovem oficial do exército revolucionário chamado Bonaparte. Como muitos outros, ele teve a impressão de que Napoleão era o continuador da revolução e defensor dos direitos do homem. Por esse motivo, planejou dedicar sua nova sinfonia a Bonaparte.

Isto foi um erro, mas bastante compreensível. Foi o mesmo erro que muitas pessoas cometeram quando presumiram que Stalin era o verdadeiro herdeiro de Lenin e o defensor dos ideais da revolução de outubro. Mas, lentamente, ficou claro que seu herói estava se afastando dos ideais da Revolução e consolidando um regime que imitava algumas das piores características do antigo despotismo.

Em 1799, o golpe de Bonaparte significou o fim definitivo do período de ascensão revolucionária. Em agosto de 1802, Napoleão assegurou o consulado vitalício, com poder para nomear seu sucessor. Um senado obsequioso implorou para que ele reintroduzisse a regra hereditária “para defender a liberdade pública e manter a igualdade”. Assim, em nome de “liberdade” e “igualdade”, o povo francês foi convidado a colocar a cabeça em um laço.

É sempre assim com os usurpadores em todos os períodos da história. O imperador Augusto mantinha as formas externas da República Romana e fingia publicamente uma deferência hipócrita ao Senado, enquanto subvertia sistematicamente a constituição republicana. Pouco tempo depois, seu sucessor, Calígula, transformou seu cavalo premiado em senador, o que foi uma avaliação muito mais realista da situação.

Stalin, o líder da contrarrevolução política na Rússia, proclamou-se o fiel discípulo de Lenin enquanto atropelava todas as tradições do leninismo. Gradualmente, as normas da democracia proletária soviética e do igualitarismo foram substituídas pela desigualdade e por um regime burocrático e totalitário. No exército, todos os antigos escalões e privilégios abolidos pela revolução de outubro foram reintroduzidos. As virtudes da Família foram exaltadas. Eventualmente, Stalin até descobriu um papel para a Igreja Ortodoxa, como um servo fiel de seu regime. Em tudo isso, ele estava apenas trilhando uma estrada que já havia sido percorrida por Napoleão Bonaparte, o coveiro da Revolução Francesa.

Para encontrar algum tipo de sanção e respeitabilidade para sua ditadura, Napoleão começou a copiar todas as formas externas do antigo regime: títulos aristocráticos, uniformes esplêndidos, posição social e, é claro, religião. A revolução francesa tinha praticamente destruído a Igreja Católica. A massa do povo, exceto nas áreas mais atrasadas como a Vendeia, odiava a Igreja, que eles identificavam corretamente com o governo dos antigos opressores. Agora Napoleão tentava obter o apoio da Igreja para seu regime e assina uma Concordata com o Papa.

De longe, Beethoven acompanhou os desenvolvimentos na França com crescente alarme e desânimo. Já em 1802, a opinião de Beethoven sobre Napoleão estava começando a mudar. Em uma carta a um amigo, escrita naquele ano, ele disse, indignado:

“Tudo está tentando voltar à velha rotina, depois que Napoleão assinou a Concordata com o Papa”.

Mas algo muito pior estava por vir. Em 18 de maio de 1804, Napoleão tornou-se imperador dos franceses. A cerimônia de coroação ocorreu na catedral de Notre Dame em 2 de dezembro. Quando o papa derramou óleo sagrado sobre a cabeça do usurpador, todos os vestígios da antiga constituição republicana foram apagados. No lugar da antiga simplicidade republicana austera, todo o esplendor ostensivo da antiga monarquia reapareceu para zombar da memória da Revolução, pela qual tantos homens e mulheres corajosos haviam sacrificado suas vidas.

Quando Beethoven recebeu a notícia desses eventos, ele ficou fora de si de raiva. Ele riscou raivosamente sua dedicatória a Napoleão na partitura de sua nova sinfonia. O manuscrito ainda existe, e podemos ver que ele atacou a página com tanta violência que ela abriu um buraco. Ele então dedicou a sinfonia a um herói anônimo da revolução: a sinfonia Eroica nascia.

Os trabalhos orquestrais de Beethoven já estavam começando a produzir novos sons que nunca haviam sido ouvidos antes. Eles chocavam o público vienense, acostumado às músicas gentis de Haydn e Mozart. Ainda que as duas primeiras sinfonias de Beethoven, embora muito boas, ainda remontassem ao mundo aristocrático descontraído e tranquilo do século 18, o mundo como era antes de ser estilhaçado em 1789. A Eroica representa um tremendo avanço, um grande salto à frente para a música, uma verdadeira revolução. Sons como esses nunca haviam sido ouvidos antes. Os pobres músicos que tiveram que tocá-los pela primeira vez devem ter ficado chocados e totalmente perplexos.

Eroica causou sensação. Até então, uma sinfonia deveria durar no máximo meia hora. O primeiro movimento da Eroica durava tanto quanto uma sinfonia inteira do século 18. E era uma obra com uma mensagem: uma obra com algo a dizer. As dissonâncias e a violência do primeiro movimento são claramente um chamado à luta. Que isto significasse uma luta revolucionária está claro a partir da dedicatória original.

Trotsky observou uma vez que revoluções são loquazes. A Revolução Francesa foi caracterizada por sua oratória. Ali estavam realmente grandes oradores de massa: Danton, Saint-Just, Robespierre e até Mirabeau antes deles. Quando esses homens falavam, eles não se dirigiam apenas ao público: estavam falando à posteridade, à história. Daí o caráter retórico de seus discursos. Eles não falavam, declamavam. Seus discursos começariam com uma frase marcante, que apresentaria imediatamente um tema central que seria então desenvolvido de diferentes maneiras, antes de fazer um ressurgimento enfático no final.

É o mesmo com a sinfonia Eroica. Não fala, declama. O primeiro movimento dessa sinfonia começa com dois acordes dissonantes que se assemelham a um homem batendo com o punho sobre uma mesa, exigindo nossa atenção, como um orador apaixonado em uma assembleia revolucionária. Beethoven então se lança em uma espécie de carga de cavalaria musical, um impulso tremendamente impetuoso para a frente que é interrompido por confrontos, conflitos e lutas, e até, momentaneamente, interrompido por momentos de pura exaustão, apenas para retomar sua marcha triunfante (ouça). Nesse movimento, estamos no meio da própria Revolução, com todos os seus fluxos e refluxos, suas vitórias e derrotas, seus triunfos e seus desesperos. É a Revolução Francesa na música.

O segundo movimento é uma marcha fúnebre — em memória de um herói. É uma obra maciça, tão pesada e sólida como granito (ouça). O passo lento e triste da marcha fúnebre é interrompido por uma seção que recupera as glórias e triunfos de quem deu a vida pela revolução. A passagem central cria um enorme edifício sonoro que cria uma sensação de sofrimento insuportável, antes de, finalmente, voltar ao tema central da marcha fúnebre. Este é um dos maiores momentos da música de Beethoven — ou de qualquer música.

O movimento final está em um espírito totalmente diferente. A sinfonia termina com uma nota de otimismo supremo. Depois de todas as derrotas, contratempos e decepções, Beethoven está nos dizendo:

“Sim, meu amigo, sofremos uma perda dolorosa, mas precisamos virar a página e começar um novo capítulo. O espírito humano é forte o suficiente para superar todas as derrotas e continuar a luta. E devemos aprender a rir da adversidade.”

Como os grandes revolucionários franceses, Beethoven estava convencido de que estava escrevendo para a posteridade. Quando (como frequentemente acontecia) músicos reclamavam que não conseguiam tocar sua música porque era muito difícil, ele costumava responder: “Não se preocupe, isso é música para o futuro.

A revolução musical de Beethoven não foi entendida por muitos de seus contemporâneos. Eles consideravam essa música bizarra, absurda e, até mesmo, maluca. Ela arrancava os filisteus de seus devaneios confortáveis. O público se ressentia justamente porque os levava a pensar sobre o que era a música. Em vez de melodias agradáveis e fáceis, Beethoven confrontou o ouvinte com temas significativos, com ideias transmitidas na música. Essa tremenda inovação, mais tarde, se tornou a base de toda a música romântica, culminando nos Leitmotive dos vastos dramas musicais de Wagner. A base de todos os desenvolvimentos subsequentes é Beethoven.

Obviamente, não faltam grandes momentos líricos em Beethoven, como na Sexta Sinfonia (Pastoral) e no terceiro movimento da Nona. Mesmo nas ferozes batalhas, há momentos de calmaria, mas a calmaria nunca dura muito e é apenas o prelúdio de novos períodos de luta. Tal é o significado real dos movimentos lentos em Beethoven. São momentos verdadeiramente sublimes, mas não têm significado independente, separados e desassociados da luta.

Os temas de Beethoven significam algo. Obviamente, isso não é uma música superficial programática. A coisa mais próxima de um programa descritivo é a Sexta Sinfonia, a Pastoral, onde cada movimento é precedido por uma nota que transmite um clima ou ambiente específico (“Sentimentos agradáveis ao chegar ao campo”; “À beira do riacho”; “Diversão dos pastores e tempestade” etc). Mas isso é uma exceção. O significado desses temas é mais abstrato e geral. Ainda assim, as implicações são claras.

CONTINUA.

Beethoven estava errado sobre os austríacos. Duas décadas depois de sua morte, a classe trabalhadora e a juventude austríaca surgiram na revolução de 1848.

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