Brasil: burguesia dividida e ascensão da luta dos trabalhadores

O governo de Michel Temer, empossado após o processo de impeachment de Dilma Roussef (PT) no ano passado, é um governo que não tem base social (está com 4% de apoio) e tem enfrentado massivas manifestações populares no último período.

A Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional, reafirmou sua análise do processo de impeachment de Dilma, na resolução da Conferência Nacional de abril de 2017:

“... o impeachment não era a opção imperialista, que temia o surgimento de uma situação sem controle. O imperialismo percebia que não tinha um estepe confiável frente às massas e temia o vazio e a revolução. Isso todos os grandes jornais imperialistas explicaram durante todo o processo de impeachment e inclusive depois.

“Inicialmente a burguesia nativa e suas organizações também se opuseram com declarações e manifestos da FIESP, FIRJAM, CNI [Associações Industriais – Nota do Autor], Bancos como Itaú, Bradesco, inclusive a imprensa burguesa, como O Globo, Folha etc. Entretanto, os representantes políticos aventureiros e estúpidos que a burguesia por anos financiou e a quem entregara o controle do Congresso Nacional, estes se autonomizaram à medida que tinham apoio de setores pequeno-burgueses desesperados. Sentindo o cheiro de ouro e a possibilidade de se vingar por terem sido obrigados a conviver com o PT, o PCdoB, a CUT, o MST, no governo, eles se lançaram ao assalto. A partir de certo momento a burguesia como tal foi obrigada a seguir seus cachorros loucos ou estaria numa situação de estar defendendo o governo Dilma/Lula (governo burguês de um partido operário-burguês) contra a maioria dos partidos burgueses. Assim, surge o governo Temer com a cassação de Dilma. É importante notar que até hoje o governo Temer é tratado internacionalmente como uma espécie de pária que se tem que receber e aceitar formalmente, mas sem nenhum entusiasmo e sem visitas e convites”.

Neste ano, as mobilizações contra o odiado governo cresceram e se massificaram a partir da aprovação das medidas de austeridade que Dilma tentava, mas não conseguia aprovar por conta do boicote dos parlamentares da direita ao seu governo.

No Carnaval deste ano, gritos espontâneos de “Fora Temer” embalaram multidões nos blocos de rua. No 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a mesma palavra de ordem foi posta em evidência nas manifestações pelo país. No 15 de março, atos massivos em diferentes cidades e paralisações de categorias contra o governo e a Reforma da Previdência e Trabalhista.

A Reforma da Previdência, rejeitada por 71% da população, pretende instituir uma idade mínima (que não existe hoje) de 65 para poder se aposentar, além de mudanças no cálculo que provocariam a redução do valor da aposentadoria. Já a Reforma Trabalhista busca flexibilizar pontos da lei geral, possibilitando que o acordado entre empregado e empregador se sobreponha ao que está na lei, colocando assim o trabalhador refém da pressão dos patrões nos locais de trabalho.

As centrais sindicais, pressionadas por suas bases, convocaram uma greve geral para o dia 28 de abril. Foi a maior Greve Geral da história do Brasil com cerca de 40 milhões de trabalhadores em greve. Importantes categorias paralisaram as atividades neste dia (professores, servidores públicos, ferroviários, metroviários, rodoviários, metalúrgicos, bancários, correios, etc.). Grandes cidades estiveram mais vazias do que em dia de feriado. Apesar das centrais sindicais, como a CUT, indicarem para os trabalhadores ficarem em casa, manifestações massivas também ocorreram neste dia. Em São Paulo, cerca de 70 mil nas ruas.

Corrupção, “Lava Jato” e governo Temer

Diante de tal situação, uma ala da burguesia, alinhada com o imperialismo norte-americano e sua linha de “limpeza geral” para salvar o sistema e abrir inteiramente o mercado brasileiro de construção civil, etc., decidiu pôr fim ao governo antes que as massas realizassem essa tarefa.

O Jornal O Globo, a maior empresa de comunicação do país, divulgou, em 17 de maio, denúncia contra o presidente Temer, com ampla cobertura de seu canal de TV, a Rede Globo.

Segundo o jornal, empresários donos da JBS (empresa do ramo de alimentação, que recebeu muito dinheiro do Estado para financiar sua expansão nacional e internacional) que estavam sendo investigados pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, realizaram uma “delação premiada” à justiça entregando esquemas de corrupção com o governo e diversos outros políticos e partidos. Um destes empresários gravou conversa com Temer, em que o presidente dá apoio aos crimes que ele anuncia, incluindo o repasse de dinheiro para Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados preso por corrupção, para que este se mantivesse em silêncio, sem entregar os outros envolvidos nos crimes que participou.  

A ampla revelação destas denúncias “vazadas” pelo Supremo Tribunal Federal e divulgadas pela grande imprensa, demonstram que uma fração da burguesia, mesmo contrariada, decidiu dar mais um passo na via da “faxina geral” exigida pelo imperialismo.

A chamada Operação Lava Jato, como já explicado pela Esquerda Marxista, com seus abusos e as medidas totalitárias do judiciário que se arroga cada vez mais um papel bonapartista, tem a tarefa política central de varrer os políticos e partidos mais odiados pelas massas, buscando assim salvar as instituições burguesas da desmoralização completa e da ira popular. A Lava Jato é o produto da crise deste regime. O resultado global desta situação é a crescente e acelerada crise terminal do regime da Nova República surgida do pacto da Constituinte de 1988.

A Operação Lava Jato, obviamente, nada tem a ver com o combate à corrupção, é parte da decisão política de setores da burguesia e do imperialismo de que este regime e este governo se tornaram insustentáveis. Por outro lado, este passo também aprofunda a instabilidade política.

A burguesia dividida

Os capitalistas encontram-se divididos. Faltam alternativas para o capítulo seguinte. Não há uma figura unificadora para substituir Temer capaz de estabilizar a situação. Isso tem causado fissuras na classe dominante. Enquanto uma ala defende o fim imediato do governo Temer, outra ala considera um mal menor arrastar este governo até 2018, quando ocorrerão novas eleições. Além disso, um novo governo, oriundo de eleições indiretas, que é o que prevê a Constituição em caso de vacância do cargo, com voto secreto dos deputados de um desmoralizado Congresso Nacional, não pode dar solução para a profunda crise política do país.

Os principais jornais burgueses não se entendem. Enquanto um (O Estado de São Paulo) critica os abusos da Operação Lava Jato e defende maior controle sobre o Ministério Público, outro (O Globo) pede claramente a renúncia do presidente.

Temer tenta se equilibrar, diz que não vai renunciar e tenta acelerar a aprovação das contrarreformas para mostrar serviço aos amos capitalistas. Mas o fato é que este governo está politicamente paralisado. Mesmo antes da bomba explodir, enfrentava dificuldades para garantir os votos necessários para aprovação da Reforma da Previdência no Congresso Nacional. Agora, Ministros estão deixando o governo e partidos discutem abandonar a base de apoio.

Uma saída avaliada como “menos traumática” pelos analistas burgueses, seria a cassação da chapa que venceu as eleições de 2014 (Dilma presidente e Temer vice), acusada de abuso de poder econômico, incluindo uso de dinheiro para campanha oriundo da estatal Petrobras. Este processo estava andando a passo de tartaruga no Tribunal Superior Eleitoral desde 2014, mas os novos acontecimentos podem acelerá-lo. Tal saída tiraria Temer sem uma desmoralizante renúncia, e sem um desgastante novo processo de impeachment.

O papel das direções reformistas

Setores da esquerda agitam neste momento a palavra de ordem de “Diretas Já”, ou seja, novas eleições presidenciais agora. Para isso seria necessário uma mudança na Constituição. O PT defende a convocação de “Diretas Já” apenas para presidente, a direção reformista da CUT propôs eleições diretas para presidente e para o Congresso Nacional, instalando uma Constituinte, com o óbvio objetivo de reformar o sistema e garantir sua sobrevivência.

Os reformistas não conseguem olhar para qualquer saída que vá além dos limites da ordem capitalistas, para além da democracia burguesa. Em um momento de profunda desmoralização das instituições, dos partidos tradicionais, dos políticos, e do próprio sistema eleitoral, eles pedem mais eleições.

No caso do PT há um objetivo claro. O ex-presidente Lula, hoje, aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Antes já apresentavam como saída para as lutas populares contra o governo Temer a candidatura de Lula em 2018. Agora que Temer balança, a defesa é por Lula 2017. Lula, aliás, teve que reaparecer na cena política diante da ameaça de prisão, é um dos investigados na Operação Lava Jato por ter recebido “favores” de grandes construtoras nacionais.

Um eventual governo Lula, em 2017 ou 2018, só pode enterrar de vez o PT politicamente e Lula como dirigente do movimento operário. Não há outra saída para o reformismo, diante da brutal crise do capitalismo, a não ser partir para o ataque direto contra os trabalhadores. O impeachment de Dilma, na realidade, foi um grande favor feito ao PT, que, se não tivesse sido tirado do poder, estaria completamente destruído por aplicar com maior profundidade as medidas de austeridade exigidas pelo capital.

A posição dos marxistas

Os revolucionários marxistas olham além dos limites da democracia burguesa e buscam apontar o caminho necessário para a abolição do regime capitalista e a construção do socialismo. A saída não é lutar por eleições, afinal, elas só podem dar posse a um novo governo com maior legitimidade para seguir atacando o povo trabalhador.

A Esquerda Marxista defende que diante da brutal falência das instituições burguesas, o papel da direção do movimento operário deveria ser o de explicar que só a auto-organização das massas pode abrir uma saída positiva para a classe trabalhadora.

É a luta unitária contra as reformas da previdência e trabalhista, contra o governo e o Congresso Nacional, por um governo verdadeiramente dos trabalhadores, que pode fazer a classe aproveitar-se das fissuras na classe dominante para fazer avançar sua luta.

Isto é o que expressou a manifestação de 24 de maio na capital do país, Brasília. Mais de 100 mil jovens e trabalhadores marcharam entre os edifícios do poder público federal, fazendo recuar as barreiras policiais, enfrentando bombas de gás, balas de borracha, helicópteros com voos rasantes e, até mesmo, armas com munição letal. O saldo da repressão foram mais de 50 manifestantes feridos, um deles com tiro de pistola.

A Esquerda Marxista e a organização de jovens Liberdade e Luta estiveram presentes nesta marcha com um expressivo bloco, explicando a situação atual e defendendo a necessidade de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, que reúna o movimento sindical, estudantil e popular, dando voz e voto para a base, para que esta ultrapasse o bloqueio das direções reformistas. Apontamos também a necessidade da construção de uma Greve Geral até a retirada de todas as Reformas e o fim do governo Temer.

As centrais sindicais se reuniram após esta mobilização e convocaram uma nova greve geral para junho. Mas uma greve de um dia, o que é insuficiente para a situação. O exemplo da Grécia, com mais de 30 greves gerais de 24 ou 48 horas nos últimos anos, demonstrou que elas serviram apenas para aliviar a pressão sobre as direções sindicais conciliadoras e cansar a base. É preciso uma greve geral por tempo indeterminado.

A instabilidade se aprofunda, a burguesia está em um impasse e a luta de classes esquenta. Nesta situação, a Esquerda Marxista defende a auto-organização dos trabalhadores e sua mobilização independente da burguesia. Agitamos o Fora Temer e o Congresso Nacional, defendemos um Governo dos Trabalhadores e explicamos a necessidade de uma Assembleia Popular Nacional Constituinte para abrir o caminho para a revolução contra o sistema capitalista, suas instituições, seus partidos e seus lacaios.