Colômbia: 22 dias de resistência

A história continua sendo escrita diante de nossos olhos, narrando sobre um povo aguerrido que está determinado a escrever com dignidade o seu futuro, embora a tinta que lhe obrigaram a usar seja, infelizmente, seu próprio sangue. Esses parágrafos inteiros que se redigem a cada dia nos mostram como são aleatórios os movimentos insurrecionais quando estão determinados a se mover, a avançar a velocidades inimagináveis e com uma constância incomparável, mesmo sem ter uma liderança determinada ou os melhores recursos teóricos e estratégicos. Quem quiser acompanhá-los, alcançá-los ou dirigi-los deve correr no seu ritmo e compreender o que já está sendo gestado no seu interior: uma direção popular.


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Por enquanto há paradas, avanços e revezes, mas nada disso quer dizer estancamento ou passividade, pelo contrário, no subsolo se fortalecem as bases e o movimento, que sem saber onde vai desembocar, tem uma determinação de mudança que sem dúvida nos levará a novos tempos.

A liderança se faz necessária, mas já começam a aflorar dirigentes naturais dentro das próprias bases, bem como situações objetivas que propiciam o crescimento e a maturação dos mesmos através da organização. O caminho ainda é longo e os obstáculos são vários. Os assassinatos, abusos e violações continuam. A repressão continua mostrando seus dentes afiados e os usa para morder cruelmente. Os elementos mais impacientes começam a perder a fé na maioria em termos de sua luta e, com certo ar derrotista, se refugiam na opção eleitoral que o reformismo lhes apresenta, atualmente a opção mais avançada dentro da política nacional, para lançar suas últimas cartas. As perspectivas para o futuro são enigmáticas.

No entanto, os passos são dados com segurança, para a frente, estabelecendo um solo firme sobre o qual marchar. A juventude não se rende e, como eles dizem: “perseverança é o que nos sobra”. Suas forças não são infinitas, mas somam e equipam os músculos do movimento, preparando-o para um novo enfrentamento. O pulso final parece se diluir, mas não desaparece. Para a maioria oprimida está claro: é tudo ou nada.

Os acontecimentos

No dia 19 de maio aconteceu a 22ª jornada da Paralisação Nacional. O Comitê Nacional da Paralisação convocou uma nova mobilização devido ao fracasso nas negociações com o governo. Suas demandas moderadas, que foram rejeitadas pela maioria do movimento, não conseguiram alcançar o objetivo de acalmar os protestos e de lavar a cara do governo mesquinho de Duque. Pelo contrário, tornou mais evidente o oportunismo da burocracia que representa o Comitê e a soberba do governo nacional, que abandonou a mesa de negociações ameaçando desdobrar toda a força militar nas estradas para desmantelar os bloqueios.

Este apelo adicionou novos sindicatos aos protestos, como a Unión Sindical Obrera de la Industria del Petróleo (USO) ou as academias de bailarinos de salsa de Bogotá, os estudantes de universidades privadas e um longo etecetera. A declaração de guerra do governo ao protesto exacerbou a indignação impulsionando o movimento. Cada erro cometido pelo governo age contra ele, cada ameaça encontra uma resposta inversa. Nos bairros, por exemplo, as assembleias locais são cada vez mais fortes, realizando-se encontros diários nos quais suas próprias demandas são discutidas. Estas se radicalizaram até a exigência, já não mais só da saída de Duque, como também de todo o seu gabinete.

O número de participantes diminuiu, mas isto não evita que todos os dias haja novas marchas e bloqueios que são replicados aqui e ali. Um dos responsáveis pela diminuição de participantes é a violência estatal, que não se deteve e que cada vez mais se mostra mais descarada em suas ações sem misericórdia. E o sangue inocente continua a ser derramado com métodos cada vez mais horrorosos. No dia 18 de maio, segundo a ONG Temblores, já se somavam 51 assassinatos (43 deles cometidos pela polícia), 18 vítimas de violência sexual e 1.139 prisões arbitrárias, no marco da paralisação. Seguramente, a cifra aumentará, visto que durante esta última noite aumentaram o seu acosso sobre povoados de Antioquia, El Valle del Cauca, Cundinamarca e em vários bairros populares da capital.

Com toda a sua brutalidade, parece que não têm forças suficientes e que, pelo menos do ponto de vista legal, suas ferramentas acabaram e seus recursos estão esgotados. Todas as tentativas de intimidação com prisões duram pouco e foram perdendo a eficácia. Para a jornada de ontem resolveram não utilizar o ESMAD em Cali e em Boyacá. Em troca, continuam recorrendo ao paramilitarismo, em todas as suas formas, como apoio à repressão. Há elementos da burguesia e da pequena burguesia, que saem armados disparando indiscriminadamente, e até o lúmpen contratado. Sua bancarrota persiste e é registrada com a união de novos sindicatos ao contexto da paralisação.

Além disso, o governo continua perdendo terreno na esfera política, concedendo vitórias ao movimento como o caso do arquivamento da reforma da saúde. Esta derrota ocorreu devido à perda do apoio de todos os partidos que decidiram se retirar após forte pressão popular, incluído o partido do governo. O mesmo com a moção de censura contra o ministro Diego Molano ou a renúncia à candidatura presidencial da vice-presidente Marta Lucía Ramírez para assumir o posto de chanceler, ou as tensões entre o governo e alguns governadores locais. Nem é preciso falar do apoio que começa a ser dado a Gustavo Petro a partir de certos setores da burguesia.

Petro soube se mover sobre o terreno atual, mostrando uma posição menos oportunista como a adotada pelo restante dos elementos da esquerda. Em seu último comunicado, decidiu romper o silêncio e fazer várias propostas à paralisação e ao governo. De maneira inteligente desvinculou-se da liderança dos protestos, indicando que são os jovens que lideram as marchas e que eles deveriam, por meio de delegados eleitos em assembleias, fazer parte do Comitê de Paralisação. Também propôs marchas massivas, a vinculação de mais setores operários e exercer pressão sobre os centros de poder.

Sua leitura perspicaz, de viés reformista, se converteu na melhor opção a seguir e isto foi demonstrado no mais recente estudo realizado pelo Centro Nacional de Consultoria, pago e publicado pela revista Semana, um pasquim do uribismo, que mostra o líder de Colômbia Humana com uma intenção de voto de 25% acima de seus adversários, que flutuam entre os 6, 5 e 3%.

É hora de avançar, a melhor opção do movimento é seguir confiando em sua própria força e continuar organizando suas assembleias que já começam a dar resultados na criação de lideranças autênticas. Estas devem ser consolidadas, crescer e chamar o apoio de toda a classe trabalhadora, por cima de sua casta burocrática, para que saia e se uma a uma Greve Geral. Naturalmente, este seria o cenário ideal, mas não é uma hipótese impossível. Cada hora é decisiva e estabelece nosso futuro.

Para onde vamos

Estamos vivendo momentos sensíveis que podem rapidamente se transformar. Falar de um futuro longínquo nesta situação é complicado, embora não seja difícil de se prever alguns novos levantes, o aumento da repressão, a criação de grupos de autodefesa isolados e um avanço do reformismo. No entanto, tudo isto fica dentro do campo das especulações, ainda mais com a rapidez como as coisas estão acontecendo. Em todo caso, não nos cansaremos de insistir em que nestes novos eventos encontraremos aprendizagens incomparáveis que inevitavelmente nos levará a novos caminhos.

No plano imediato é necessário converter a paralisação em um poderoso movimento de greve geral que vise os principais setores da produção. Temos os números, o apoio e as razões; deve-se seguir edificando as assembleias democráticas nos bairros e nos locais de trabalho dos quais surjam representantes que levem essas contribuições a assembleias gerais em nível local e nacional. Destas mesmas assembleias nascerão comitês de defesa que protejam o movimento da violência policial. Pode-se seguir o exemplo organizativo da Minga indígena e da Primera Línea. Deveria ser convocada uma reunião nacional de emergência de representantes de todos os setores para dar ao movimento uma liderança democrática e responsável. Esse apelo por uma grande marcha nacional (proposta por Petro, como parte de uma poderosa mobilização nacional) é necessário e colocaria a questão de quem manda: Duque ou o povo trabalhador mobilizado.

As cartas estão na mesa. Por isso as ações devem ser urgentes, as forças podem se esgotar e rapidamente serem dizimadas, por um período longo ou curto, e isto não pode significar uma derrota. Entre as muitas coisas que a Paralisação vai deixar, uma estrutura organizativa será a melhor vitória.

Os elementos da pequena burguesia serão os primeiros a baixar os braços com a mesma velocidade com que os ergueram e será a classe trabalhadora humilde, em conjunto com o restante dos oprimidos, que ficará sustentando a luta até que seja vencida pelo esgotamento. É por isso que devemos passar do reino do espontâneo ao da organização.

Tal mobilização seria um passo enorme para um gigante que não só despertou depois um pesadelo de décadas, mas que também aprendeu de novo a caminhar e a se movimentar com relativa facilidade. A questão é para onde se está marchando. Estas mobilizações refletem a incrível força, mas devemos explicar que a vitória não exige apenas a criatividade e o compromisso da classe trabalhadora na hora da luta por um mundo melhor. Exige um programa e uma ideia clara do que é necessário para se conquistar as coisas pelas quais o movimento está lutando.

O movimento afirma que está lutando para se desfazer de um governo corrupto que reprime e não pode alimentar as pessoas. De fato, um governo que, em plena crise econômica, decidiu tirar comida do prato das pessoas para assegurar mais lucros. Um governo que tentou monopolizar o setor da saúde em meio a uma pandemia que já matou 82 mil pessoas. Para poder assegurar as coisas que este governo nega (alimentação, segurança, saúde), a classe trabalhadora tem que tomar o controle da produção de alimentos, da administração do setor da saúde e adquirir a habilidade de poder se defender dos piores ataques deste Estado repressor que não tem a menor compaixão na hora de desdobrar o pior tipo de violência para desmoralizar a classe trabalhadora.

A classe trabalhadora já produz os alimentos deste país. A Primera Línea nos ensina que a questão da segurança não pode ser administrada por uma polícia corrupta e repressora, que só serve para representar os interesses da classe dominante colombiana. O setor da saúde neste país, na medida em que atende, não o faz pelo nível de investimento das EPSs ou do Estado, mas pelo trabalho incansável das enfermeiras e dos trabalhadores médicos que receberam o pior tratamento possível durante esta pandemia (a negação de insumos, a falta de investimento na infraestrutura do setor da saúde).

Quando vemos os problemas da Colômbia, fica claro que a única solução é que esta classe trabalhadora, tão criativa e oprimida, desafie abertamente pelo poder para criar uma sociedade melhor. Estas mobilizações estão sendo uma importante escola, que ensina à classe trabalhadora os métodos corretos e o caminho para a vitória, contudo, sem um programa, sem uma direção, o movimento sempre avançará com o pé no freio. O que propomos é, precisamente, remover os freios e chegar ao destino final proposto por estes acontecimentos: a vitória da classe trabalhadora com um programa que finalmente liberte a Colômbia das terríveis condições que criaram esta miséria.

  • Fora Duque e a classe que ele representa!
  • Viva a Paralisação Nacional! A luta continua!

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