Crise política e luta de classes no Peru

Os acontecimentos se movem em grande velocidade no Peru. No dia 9 de novembro foi destituído o até então presidente Martin Vizcarra; uma semana depois, o novo governo de Merino caiu devido à pressão do movimento de massas desatado nos últimos dias. A crise no Estado burguês abriu as comportas da luta de classes nas ruas e a classe trabalhadora e a juventude derrotaram o regime nessa primeira batalha.


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A bancarrota do regime político peruano

Como em muitos países latino-americanos, a democracia burguesa é totalmente inútil para manter um regime minimamente estável. De um país a outro, o Estado é utilizado para encher as mãos de dinheiro à custa da pilhagem dos recursos do povo ou fazendo “negócios” com a empresa privada na obscuridade, concedendo-lhes recursos, aprovando seus projetos, modificando as leis para lhes permitir os investimentos que vão contra as leis etc. Este é o pão nosso de todos os dias.

Particularmente na região, os escândalos com a empresa Odebrecht levaram à destituição de presidentes e políticos de todos os partidos. No nível latino-americano, podemos ver os seguintes dados: “Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Odebrecht pagou 788 milhões de dólares em comissões ilegais por mais de 100 projetos de construções públicas em 11 países da América Latina, bem como em Angola e Moçambique, na África”.

Segundo esse artigo, com dados da consultora Global Financial Integrity, a América Latina perde a cada ano uns 140 bilhões de dólares por corrupção, uns 3% do PIB da região. A corrupção não é só com a Odebrecht; em todos os países, quase todas as empresas estão envolvidas em atos de corrupção, além da lavagem de dinheiro, da evasão fiscal etc. Ou seja, a burguesia nacional e internacional é incapaz de respeitar as regras formais de seu regime de democracia burguesa. A corrupção é parte substancial do capitalismo.

No caso particular do Peru, isso chegou a alturas muito acima do que se esperava: os últimos 6 presidentes viram-se envolvidos em atos de corrupção; uns estão presos e outros sob investigação da lei. Alberto Fujimori está preso, cumprindo uma condenação de 25 anos de prisão por corrupção, homicídio e lavagem de dinheiro. Alejandro Toledo foi preso nos Estados Unidos e extraditado ao país por corrupção. Alan Garcia se suicidou, em 2019, para não enfrentar as acusações de suborno que existiam contra ele. Ollanta Humala está em liberdade condicional pelo caso de corrupção que, no Brasil, se chamou de Lava-Jato. Pedro Pablo Kuczynski foi destituído em 2018 e está em prisão domiciliar por lavagem de dinheiro. O último caso é o do deposto presidente Martin Vizcarra, acusado de suborno e corrupção.

O que temos aqui é a bancarrota do regime político da burguesia peruana, a qual é incapaz de manter a democracia burguesa a salvo da podridão do capital local e internacional.

As acusações lançadas pelo parlamento peruano para depor o ex-presidente através da figura jurídica da “vacância” soam como frases vazias. Todo mundo sabe que o parlamento atual está cheio de corruptos canalhas que utilizam o golpe parlamentar para cobrir a própria sujeira. Em uma entrevista com um integrante de Alba Movimientos, José Carlos Llenera, de Telesur, menciona que pelo menos 50% dos membros do congresso atual estão sendo investigados por atos de corrupção. Esses personagens não têm nenhuma intenção de frear a corrupção com a destituição do presidente, e sim de esconder a própria corrupção desviando a atenção para outro lado.

Isso foi entendido pela maioria do povo peruano, que não acreditou em nenhum momento na poeira que foi lançada aos seus olhos por parte dos meios de comunicação para justificar a manobra parlamentar.

Merino, que caiu hoje por conta da mobilização das massas, e que representava o que havia de mais corrupto e reacionário da burguesia peruana, o setor pecuário, estava ligado aos setores mais obscuros do Opus Dei, das empresas de mineração e do setor fujimorista mais recalcitrante. Seus planos eram claros: esconder sua própria corrupção, montar uma agenda de ataques a todos os setores da população e assegurar as eleições do próximo ano.

O movimento de massas tem que passar à ofensiva

As massas responderam desde o primeiro instante, não para defender Vizcarra, nem à democracia no abstrato, mas contra o presidente Merino, que consideravam totalmente ilegítimo. No dia 12 de novembro foi convocada uma grande manifestação nacional que contou com a presença de dezenas de milhares de pessoas em Lima e dezenas de milhares em cidades de todo o país. O movimento contou com o apoio de alguns partidos políticos e de parte da imprensa, mas, na realidade, refletia uma explosão de raiva espontânea a partir de baixo. Um grito de “basta” contra todo o regime.

Há muitas razões pelas quais se lançaram às ruas. O Peru é o pais com índices mais elevados de mortalidade por quantidade de habitantes, na pandemia da Covid-19. Os planos para “reativar” a economia estão implicando em cortes salariais, demissões, violações dos direitos trabalhistas, aumentos da jornada de trabalho etc. Em poucas palavras: implica em lançar o peso da crise nas costas dos trabalhadores.

Ao lado da crise sanitária e econômica estão as agendas da burguesia que implicam, em todos os terrenos, em modificações para permitir que os poucos direitos que restam sejam varridos para o lado no interesse da empresa privada. O que há por trás das massivas mobilizações, que custaram mortos e centenas de feridos, é um profundo mal-estar contra o atual regime, contra a situação econômica, a incapacidade do governo para solucionar a crise sanitária, contra a corrupção, o enjoo dos políticos burgueses etc.

No dia 14 de novembro, foi convocada uma nova grande marcha nacional que teve uma participação em massa. Em todas as mobilizações a juventude estava na vanguarda e começou a se defender contra a repressão brutal da polícia. A manifestação de 14 de novembro deixou dois jovens mortos pela repressão, além de centenas de feridos.

Ante a crescente ofensiva das massas, os ministros do novo governo de Merino começaram a se demitir como ratazanas que abandonam o barco que está afundando. As Forças Armadas, que haviam avalizado a vacância de Vizcarra e a transferência do poder a Merino, agora se negaram a assistir a uma reunião convocada pelo presidente. Claramente, a classe dominante entrou em estado de pânico diante da possibilidade bem real de que a mobilização das massas nas ruas varresse todo o regime.

A renúncia de Merino, que durou apenas 5 dias no poder, é uma tentativa desesperada de salvar o regime. Do ponto de vista institucional, a classe dominante está tratando de buscar uma solução para recompor a maltratada legitimidade das instituições burguesas. La República exigia, em seu editorial, um novo presidente do congresso que se encarregasse da presidência do país e que não tivesse votado pelo afastamento de Vizcarra. Na quarta-feira, dia 18, prevê-se que o Tribunal Constitucional decida sobre a legalidade da decisão de tirar o ex-presidente do poder.

Estas são as duas possibilidades que a classe dirigente poderia utilizar para embaralhar a situação e salvar o regime: um novo presidente não implicado na manobra contra Vizcarra ou, mesmo, anular a decisão e voltar a colocá-lo na presidência. Nenhuma dessas opções vai resolver realmente a profunda crise de regime que deu lugar a essas manobras e que abriu as comportas para um movimento insurrecional a partir de baixo.

É fundamental compreender isso, porque há que se continuar com a luta para solucionar esses problemas de fundo e não deter a mobilização por conta de uma mudança de presidente, nem por conta de promessas de eleições parlamentares ou presidenciais de 2021.

Antes da queda de Merino, a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) havia convocado uma greve nacional dos trabalhadores para o dia 18 de novembro, “em defesa do trabalho como direito humano, em defesa da saúde e da vida. Por uma democracia popular”. Essa convocação tem que se manter de pé, apesar da renúncia de Merino. O problema não é mudar um político capitalista corrupto por outro, o problema é o sistema capitalista e essa greve deve servir para organizar os batalhões da classe operária e da juventude para empreender o caminho à instauração de um poder dos trabalhadores.

As mobilizações da juventude, dos setores médios, devem se manter. Já vimos que a luta dá frutos e podemos conseguir nossos objetivos se nos mantivermos organizados e nas ruas. Mas a espontaneidade do movimento tem seus próprios limites.

O movimento de luta tem que dar um passo à frente, organizando Comitês de Luta nos locais de trabalho, nos bairros operários, e que os mesmos sejam coordenados convocando-se uma Assembleia Nacional dos Trabalhadores e do Povo em Luta, com porta-vozes eleitos em assembleias de massas de trabalhadores, jovens, camponeses e do povo trabalhador em geral.

Uma Assembleia Constituinte pode resolver nossos problemas?

Como parte deste movimento de massas, levantou-se a palavra de ordem de uma Assembleia Constituinte e pelo fim da Constituição fujimorista de 1993.

A central sindical CGTP, por exemplo, propõe “a constituição de um Governo Provisório com participação popular que convoque imediatamente uma Assembleia Constituinte para uma nova Constituição Política e que promova um novo contrato social para uma nova República”. Também a Frente Ampla, dirigida por Verónika Mendoza, cuja bancada apoiou por 6 votos a 2 a destituição de Vizcarra, agora se opõe a Merino e exige também um processo constituinte.

Na realidade, essa reivindicação por parte dos setores das massas mobilizadas representa um sentimento profundo de rejeição a todo o regime, apodrecido até a medula. Mas, temos que perguntar: que quer dizer um “governo provisório com participação popular”? Quem vai formar tal governo? E, mais importante: quem vai dar o poder a esse governo? Não seria descartável que o atual congresso chegue a constituir um “governo provisório” ou “tecnocrático” com objetivos limitados, cuja tarefa seria justamente tratar de recompor a legitimidade, tão maltratada, das instituições burguesas e impedir que as massas tomem o poder em suas próprias mãos.

Para se poder falar de “governo com participação popular” ou de “Assembleia Constituinte”, em primeiro lugar há que se derrubar o governo existente e varrer o apodrecido congresso para o lado. Para isso, as massas de trabalhadores, jovens e demais setores do movimento devem se dotar de seu próprio parlamento.

A proposta avançada pela CGTP tem outra falha importante. Fala de estabelecer “um novo contrato social”. Se é que isto signifique algo, quer dizer um novo “contrato” entre capitalistas e trabalhadores, quiçá um que seja um pouco mais favorável aos trabalhadores, mas a palavra de ordem fica dentro dos limites do sistema capitalista. E o problema é justamente que a existência do sistema capitalista, e ainda mais nessa situação de crise profunda, é incompatível com a “defesa do trabalho como direito humano, a defesa da saúde e da vida” que a CGTP propõe como programa imediato.

Vemos aqui a debilidade do programa político avançado tanto pela CGTP quanto pela Frente Ampla. Esse programa se baseia na ideia ilusória de que se pode “democratizar” o capitalismo, que é possível um tipo de capitalismo “mais amável” com os trabalhadores. A realidade é que isso não é possível. A crise orgânica do capitalismo, agravada pela pandemia, agudizada pela corrupção, que se expressa de forma particularmente aguda no Peru, é justamente a origem da atual crise de regime que o país enfrenta.

É necessário levantar um programa que supere o capitalismo. Que afirme exatamente que, para garantir o direito ao trabalho, à saúde, à vida, à educação, é necessário expropriar os capitalistas, os pecuaristas e fazendeiros, as multinacionais, as 40 famílias da oligarquia milionária que controlam a economia e a política do país.

É necessário convocar uma grande assembleia nacional de representantes do povo – trabalhadores, sindicatos, organizações de mulheres, de estudantes, de donas de casa, de camponeses pobres etc., para a elaboração de um plano de luta, incluindo a greve nacional para varrer todas as instituições apodrecidas e corruptas do regime burguês e que sejam os próprios trabalhadores que comandem.

Para se dar um fim à crise sanitária e econômica, há que se tomar medidas audazes. Exigir a expropriação das alavancas fundamentais da economia e que sejam passadas ao controle dos trabalhadores, a nacionalização da banca, a nacionalização das empresas de mineração etc. Somente dispondo de recursos suficientes, sob o controle centralizado da classe trabalhadora, poder-se-ia destinar os recursos necessários para equipar hospitais e escolas, dar trabalho a todos os que dele necessitam etc.

Essa assembleia, esse poder organizado do povo, seria realmente o que as massas entendem por uma “constituinte”, não um parlamento burguês convocado pelas instituições atuais, mas um parlamento operário e camponês.

Nesta semana heroica, as massas no Peru demonstraram o seu arrojo, sua valentia, sua disposição de lutar e seu poder, como o fizeram há um ano as massas no Equador e no Chile. Dotadas de uma direção revolucionária e de um programa socialista claro, seriam invencíveis.

Nem Vizcarra, nem Merino, nem a caverna de ladrões do Congresso – que se danem todos!

Greve Nacional e Assembleia Nacional de Trabalhadores!

Governo dos Trabalhadores!

 

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