Posse de Trump: uma exibição vulgar da decadência e do desespero capitalista Versão para impressão

E assim começa a era Trump: com protestos, pessimismo e polarização em todo o mundo. O espetáculo cuidadosamente organizado da posse teve que ser protegido por 28 mil policiais. A polícia militarizada manteve as pessoas esperando durante horas em postos de controle de veículos, chegando até a confiscar qualquer fruta que encontrasse, para que não fosse lançada na comitiva presidencial ao vivo pela televisão. Em 2008, perto de dois milhões de estadunidenses acudiram para ver Obama depois de sua promessa de Change We Can Believe In [Podemos acreditar na mudança]. Em 2012, depois de quatro anos de amarga decepção, mais de um milhão apareceu. Trump, que afirma ter o apoio da maioria dos estadunidenses, atraiu de 700 a 800 mil pessoas no máximo, de acordo com as estimativas dos experts.

No dia de sua posse, bem mais de 3 milhões de estadunidenses – exatamente 1% da população – participaram das ações da Marcha das Mulheres por todo o país para deixar claro ao novo Comandante-em-Chefe que não se intimidarão com sua intolerância. Algumas estimativas alcançavam até 4,6 milhões de pessoas. Esta é uma resposta adequada ao “chicote da contrarrevolução” representado pela presidência de Trump. A história mostra que todos os movimentos que começam com demandas liberal-democráticas básicas podem tomar caráter revolucionário com base nos acontecimentos. A era Trump será cheia de material combustível, para dizer o mínimo. A administração mais anti-trabalhadores em décadas tomou posse formalmente da Casa Branca, e uma avalanche de austeridade e ataques contra a classe trabalhadora está na ordem do dia.

Imediatamente após o seu juramento, os ataques já estavam em andamento. Cerca de uma hora em sua presidência, Trump suspendeu por tempo indeterminado um corte que estava programado nos prêmios de seguro hipotecário – elevando de forma efetiva os custos para os mutuários da classe trabalhadora em cerca de 500 dólares ao ano. Outros ataques foram detalhados pelo The New York Times: “O relatório do Departamento do Trabalho sobre pessoas lésbicas, bissexuais, gays e transgênero no local do trabalho? Sumiu. A atitude da Casa Branca sobre a ameaça de mudança climática e sobre os esforços para combatê-la? Sumiu”.

O primeiro ato de Trump foi assinar uma ordem executiva declarando sua intenção de revogar o Obamacare. O Affordable Care Act [Ato de Cuidados Acessíveis] é amplamente odiado, e por uma boa razão. Sob este colossal panfleto corporativo, os HMOs [organizações de manutenção da saúde – NDT] e as empresas farmacêuticas floresceram, e os prêmios de seguro hipotecário para as famílias de trabalhadores dispararam, milhões de pessoas continuam sem acesso aos cuidados de saúde e somente os mais pobres dos pobres receberam um mínimo de alívio. 58% dos estadunidenses estão a favor de sua substituição por um sistema financiado pelo governo federal que proporcione cuidados de saúde para todos.

Trump pode demagogicamente ir contra as farmacêuticas e HMOs, mas isto não seria nada mais do que frear parcialmente os excessos de uma parte do sistema para preservar o sistema como um todo. Como Obama e os Democratas antes dele, quando controlavam todos os ramos do governo de 2008 a 2010, Trump e os Republicanos não estão aí para implementar cuidados de saúde universal. Desprezam o Obamacare por este insinuar que o governo deve dar aos pobres até mesmo o menor subsídio, e muito menos por oferecer cuidados de qualidade para todos.

O chamado “Contrato com o Eleitor Americano” de Trump é, na realidade, um contrato sobre os trabalhadores estadunidenses. Trata-se de uma declaração de guerra de classe aberta, de uma violência capitalista unilateral contra os trabalhadores, os jovens, as mulheres, os Latinos, os negros, os muçulmanos, imigrantes, pobres e todos os explorados e oprimidos pelo sistema da propriedade privada dos meios de produção. A crise do capitalismo deve ser paga. Os capitalistas querem que a paguemos. Nós dizemos: “faça os patrões pagar por sua crise! ”. Não temos nenhuma alternativa além de lutar. Os protestos deste fim de semana foram somente o começo do começo.

O caminho até Trump

A eleição de Trump é o fruto amargo do chamado mal menor, da desilusão com Obama e da capitulação de Bernie Sanders aos Clinton e ao Partido Democrata. Para os trabalhadores que votaram por ele, sua eleição representa uma tentativa confusa de protesto contra a incapacidade orgânica do capitalismo de beneficiar a maioria. Apesar dos números macroeconômicos proclamados por Obama em seu adeus à presidência (“adeus, mundo cruel”), as coisas estão objetivamente piores agora do que eram há dez anos, para a maioria.

O crescimento econômico sob Obama foi, na melhor das hipóteses, morno, com uma média de somente 2,5% ao ano. Mas a média geral esconde a realidade. Enquanto os 20% do topo da população estadunidense se beneficiaram de 5% de crescimento da renda, a base de 80% viu um crescimento médio de 0%. Mas mesmo esses números obscurecem o fato de que os 1% do topo absorveram 95% do crescimento da renda total, enquanto os mais pobres dos pobres e grandes faixas da chamada “classe média” caíram no abismo.

Depois de quase uma década de crise, milhões de estadunidenses perderam a fé nos partidos, políticos e instituições do sistema. De acordo com a CBS News, “O Barômetro de Confiança Edelman encontra um declínio na confiança em quatro grandes setores, incluindo a mídia, ONGs, empresas e governo. O novo relatório chama 2017 de ano da “Confiança em Crise”, quando a população em massa acredita que os sistemas estão falhando e se tornando menos confiáveis”.

As escassas multidões que se reuniram para ver uma estrela real da TV prestar um juramento de lealdade à Constituição dos EUA, têm grandes expectativas com relação ao seu candidato. Desesperados por uma mudança real, um punhado de trabalhadores em um punhado de estados virou o disco e votou a favor de um bilionário ignorante. Para eles, um voto por Trump representou um triunfante “você está despedido!” aos odiados ricos e à elite de ambos os partidos. Como colocou um trabalhador do cinturão do óxido às vésperas da eleição: “Ninguém foi capaz de resolver meus problemas. Trump diz que ele pode”. A mudança vem, de fato – mas não será o tipo de mudança que a maioria dos apoiadores de Trump tinha em mente.

“Uma miserável colmeia de escória e vileza”

As insuperáveis divisões na classe dominante estadunidense, que, dada a profundidade da crise, não pode mais governar à maneira antiga, foram plenamente exibidas através das primárias e cáucuses dos partidos Republicano e Democrata. Ninguém realmente esperava que Trump vencesse – inclusive o próprio Donald. Agora, ele preparou apressadamente uma mistura de administração que reflete a natureza eclética e reacionária de seu programa.

Como uma indicação de seu estilo de governo Bonapartista, ele evitou em grande parte os canais “normais” de comunicação, preferindo planejar a transição presidencial através Twitter a partir do conforto da Torre Trump – a “Casa Branca Norte” – e de várias de suas outras propriedades de luxo privadas. Mas as divisões, as deserções e as renúncias afligiram suas semanas como presidente eleito. Em vésperas de se instalar no principal escritório do mundo, Trump recebeu aprovação para apenas dois de seus 15 candidatos ao gabinete e nomeou apenas 29 das 666 designações ao departamento executivo.

Donald Trump é claramente desqualificado para controlar o país mais poderoso do mundo. Administrar uma vasta burocracia governamental, a maior economia e o maior exército do mundo é muito diferente de manejar e administrar uma coleção de prédios, campos de golfe, resorts e cassinos com sua família. De acordo com pessoas inteiradas, “O senhor Trump teve pouco interesse nas minúcias de seu período de transição, dizendo que era um ‘péssimo carma’ envolver-se demais... Em determinado momento ele quis deter completamente o planejamento, por superstição. ‘Em 21 anos cobrindo o Departamento de Estado e em oito anos servindo lá, vi transições difíceis e experimentei o que parece uma entrada em funções hostil, mas nunca vi algo como isto’, disse Strobe Talbott, o presidente da Instituição Brookings”.

Instabilidade, protecionismo e “desglobalização”

No período pós-II Guerra Mundial, o capitalismo superou de forma temporária e parcial os limites “naturais” do estado-nação e do mercado através do processo da “globalização”. Assim como o crédito pode expandir o mercado além de seus limites “naturais”, também o pode uma maior integração econômica. Contudo, sob bases capitalistas, isto tem limites intrínsecos, e o processo se inverteu atualmente. Se bem que a principal causa desta espiral negativa seja a crise objetiva do sistema, as ações subjetivas dos indivíduos podem produzir efeito recíproco no processo global. Isto, por sua vez, tem um efeito multiplicador na consciência de todas as classes e dos indivíduos.

Os capitalistas de todo o planeta estão ansiosos com o que representa Trump e com o que ele vai fazer. A chefe do FMI, Christine Lagarde, é a primeira entre aqueles com profundas reservas sobre o futuro. Às vésperas da posse de Trump, ela falou no Fórum Econômico Mundial (WEF, em suas siglas em inglês) – o porta-voz da “classe bilionária”, que se reúne todos os Verões em Davos, Suíça – que teme a instabilidade econômica global devido às suas políticas protecionistas.

A fragilidade da economia mundial é claramente evidente quando um simples tweet ou conferência de imprensa de Trump pode levar a viradas selvagens do mercado de ações. Ele não somente ameaçou uma guerra comercial com a China, como também com a Alemanha, sem mencionar sua ameaça de impor tarifas ao México e multas às empresas estadunidenses que produzem no exterior. O 45o Presidente dos Estados Unidos da América prometeu abandonar a Parceria do Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership - TTP) e renegociar o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA, em suas siglas em inglês).

Isto é compreensivelmente popular entre os ex-trabalhadores industriais, que culpam a globalização por seus padrões de vida decadentes. Contudo, o livre comércio é preferido pelas maiores corporações, que se beneficiam destes acordos à custa dos trabalhadores e das empresas menores. Isto coloca Trump em desacordo direto com uma ampla gama da classe dominante, cujos interesses ele representa em última análise.

O WEF está extremamente preocupado com as águas agitadas que tem à frente. Em seu mais recente Informe sobre Riscos Globais, encontramos a seguinte avaliação: “Algumas pessoas se perguntam se o Ocidente chegou a um ponto de inflexão e se agora pode embarcar em um período de desglobalização”.

A perspectiva “América Primeiro” de Trump, esboçada em seu discurso de posse protecionista e xenofóbico, significa que todos os demais devem morrer. Como ele declarou de forma inequívoca: “A partir deste dia, uma nova visão governará nossa terra, a partir deste dia em diante, será só ‘América Primeiro!’, América Primeiro!”. E continuou: “Vamos seguir duas regras simples: comprar americano e contratar americano”.

Seu objetivo parece bastante simples: reviver a “grandeza” estadunidense passada exportando a crise e o desemprego para qualquer um e para todos os outros que não sejam os EUA. Contudo, ao fazer isto, ele ameaça desmanchar a ordem do pós-guerra cuidadosamente posta em marcha por gerações de seus predecessores.          

Depois da II Guerra Mundial, e especialmente depois do colapso do estalinismo, os EUA foram a superpotência inquestionável do mundo, uma potência econômica, militar e imperialista sem precedentes. Em 1945, com grande parte do mundo em ruínas, os EUA representavam 50% do PIB mundial. Atualmente, está em menos da metade disto. Isto continua sendo superior a sua cota de 4,4% da população mundial, mas representa uma queda dramática da supremacia esmagadora do passado.

Este declínio econômico necessariamente se expressa nas relações mundiais. O imperialismo estadunidense é uma sombra de seu próprio passado. Suas humilhações no Afeganistão, Iraque e Síria, e a intromissão de várias potências imperialistas regionais em suas antigas esferas de influência são exemplos claros.

A diferença entre a ala Trump da classe dominante e Obama, Clinton e a maioria do restante dos capitalistas é que os últimos buscam manter o status quo mundial e doméstico que perdeu seu equilíbrio econômico. A perspectiva de Trump é o reconhecimento refratado de que a época da hegemonia estadunidense sobre o mundo está morta e enterrada. Isto não se deve a sua maior perspicácia ou sofisticação, mas, pelo contrário, à mesma e crua razão de que um relógio parado marca duas vezes ao dia a hora certa. 

No entanto, isto representa um equívoco fundamental da economia capitalista. É ingenuamente utópico pensar que a economia dos EUA pode se desvincular do restante do mundo ou iniciar guerras comerciais ou monetárias sem retaliação ou consequências. Embora a força da vontade de Trump seja maior do que a da maioria, os EUA não podem desafiar as leis da gravidade econômica capitalista para sempre. Ele também está embaraçado nos parâmetros de um sistema em crise terminal.

Transformar a economia não é uma questão da vontade subjetiva, mas das fundamentais relações sociais e econômicas. A propriedade privada dos meios de produção e o estado-nação têm limitações intrínsecas e que somente podem ser superadas pelo socialismo internacional. Esta é a grande contradição que a humanidade deve resolver no período histórico que se avizinha.

A despeito de sua demagogia pró-trabalhadores, Donald Trump não está disposto a nacionalizar os meios de produção sob o controle democráticos dos trabalhadores. Pelo contrário, ele busca minimizar o papel do governo em um momento em que somente a intervenção estatal pode equilibrar o sistema que vacila.

O “Solavanco Trump”

Dentro dos primeiros 100 dias de Trump, podemos esperar um turbilhão de ordens executivas e de pressão sobre sua maioria Republicana do Congresso para dar continuidade às suas políticas. Embora muitas destas jogadas possam apelar superficialmente àqueles eleitores da classe trabalhadora que engoliram sua retórica populista, o arrependimento do comprador se estabelecerá mais cedo do que tarde. Seu plano de criar 25 milhões de empregos ressoa tremendamente no papel, mas, sob o capitalismo, é fantasia pura.

Entre 1948 e 2016, a taxa média de desemprego foi de 5,8%. Atualmente, mantém-se em 4,7%. Os Marxistas entendem que, embora este dado subestime grosseiramente a verdadeira situação do desemprego e do subemprego, isto significa que há pouca margem para uma expansão em massa de empregos. Isto é o melhor que se pode obter sob o capitalismo.

Embora não esteja garantido, o protecionismo de Trump, o afrouxamento das regulações dos setores financeiro e energético, e algum tipo de programa de obras públicas podem levar à criação de alguns milhões de empregos. Mas um “solavanco Trump” não pode durar indefinidamente e não trará de volta os milhões de empregos sindicalizados de qualidade que foram dizimados desde a década de 1970.

Os economistas capitalistas sérios reconhecem que não é a China, mas a tecnologia que representa a maior ameaça à qualidade dos empregos industriais. Mais uma vez, do WEF: “Não é por acaso que os desafios à coesão social e à legitimidade das autoridades coincidam com uma fase altamente perturbadora de mudança tecnológica”.

Mais precisamente, é a inovação tecnológica dentro das restrições de lucro do capitalismo que nos impede de usar essas maravilhas para reduzir a jornada de trabalho ao mínimo. Os EUA presentemente têm a maior produção industrial de sua história. No entanto, este volume pode agora ser produzido por muito menos trabalhadores do que no passado. Pesquisa de Ball State University constatou que somente 13% dos empregos industriais perdidos durante as recentes décadas se deveram ao comércio, enquanto que o resto se perdeu para melhorar a produtividade e a automação. Um estudo conduzido pela Revista Americana de Economia constatou que, entre 1962 e 2005, a indústria siderúrgica perdeu 400 mil empregos – 75% do total. No entanto, a produção de aço não declinou durante este período.

Trump explicitamente culpou Washington e os políticos pela globalização, deslocamento e decomposição social. A capital do país é sem dúvida um poço político cheio de criaturas que licitam os grandes negócios. Mas os políticos e lobistas são pequenos atores de uma tragédia humana muito maior. É Wall Street que dá tiros reais na sociedade. É a Fortune 500 que, em última análise, determina quem tem um emprego, quem ganha acesso a moradias, cuidados de saúde e educação.

Os capitalistas não são “criadores de emprego” – são geradores de lucro. Em sua busca implacável para satisfazer o apetite de seus acionistas, vasculham o globo para encontrar a mão-de-obra e as matérias-primas mais baratas. Quando são colocados obstáculos reguladores em seu caminho, sempre encontrarão uma brecha. A concorrência capitalista os obriga, sob pena de extinção, a aumentar continuamente a produtividade.

Como explicou The New York Times: “Quando Greg Hayes, o diretor executivo de United Technologies, concordou em investir 16 milhões de dólares em uma de suas fábricas Carrier, como parte de um acordo com Trump para manter alguns empregos em Indiana, em vez de trasladá-los ao México, ele disse que o dinheiro seria destinado à automação. ‘O que isto significa em última instância é que haverá menos empregos’, disse ele à CNBC”.

Isto é agravado pelo fato de que os capitalistas já estão sentados em uma capacidade mais produtiva do que podem vender em casa e no mercado mundial.

Por trás do slogan nacionalista “Torne a América Grande Novamente”, está o desejo de voltar às condições idealizadas e que não se podem repetir de uma camada substancial da população durante o auge do pós-guerra: pleno emprego relativo e melhora constante da qualidade de vida, aposentadorias dignas, acesso a moradia, à educação, aos cuidados de saúde e a um mundo livre do terrorismo e da incerteza. Por mais que tente, Trump será incapaz de cumprir – porque não pode enquadrar o círculo do capitalismo.

Partidos políticos na turbulência

O que está acontecendo diante de nossos olhos não é apenas uma crise política, mas uma crise do regime do capitalismo estadunidense. O sistema bipartidário, o alicerce do domínio capitalista desde a Guerra Civil, é frágil e vulnerável. Seu controle sobre as massas diminui a cada eleição. Tanto a ascensão e queda de Sanders quanto a vitória final de Trump ampliaram as brechas desta configuração. Cada um à sua maneira deram expressão ao descontentamento reprimido, tropeçando na inércia social e política das últimas décadas.

Ambos entraram na campanha efetivamente como independentes. No entanto, enquanto Sanders se submeteu à pressão da liderança de seu partido adotivo, Trump não se submeteu. Enquanto Sanders está se movendo para manter as coisas dentro dos canais seguros dos Democratas, Trump não seguiu o script e é uma ameaça clara e presente ao partido sob cuja linha de votação ele concorreu.

Embora estejam hipocritamente sorrindo e felizes ao entregar o novo POTUS (acrônimo em inglês para Presidente dos Estados Unidos), a maioria da classe dominante despreza Trump. Isto é somente em parte, porque ele é embaraçoso para um sistema que prefere manter sua baixeza e a perfídia fora da vista pública. Mas, acima de tudo, é assim porque ele é imprevisível e tem somente o seu próprio interesse em mente, e não os interesses de sua classe como um todo. Ao sobressair tenazmente da eleição e ganhar realmente – embora com milhões de votos populares a menos do que seu oponente igualmente antidemocrático – ele expôs a farsa da democracia burguesa e os forçou a engolir sua vitória.

Além disto, para apaziguar o seu ego e ganhar por quaisquer meios necessários, ele despertou a classe trabalhadora – tanto aqueles que esperam que ele seja a resposta para suas aflições quanto aqueles que já conhecem a sua natureza profundamente reacionária. Sua soberba, arrogância e excessos inevitáveis servirão como um chicote da contrarrevolução, acelerando o caminho da luta de classes. Por tudo isto, sua classe não pode perdoá-lo.

Trump apelou aos “americanos esquecidos”, alegando que agora eles governam o país. Mas não se enganem: Trump faz parte dos 1% e não esqueceu da classe que representa. Os EUA são governados firmemente pela classe capitalista e pelo sistema capitalista. A maioria da classe trabalhadora somente vai governar quando tivermos nosso próprio partido político de massas e conquistarmos o poder político e econômico para a classe trabalhadora.

No entanto, apenas porque Trump se encontra, em última instância, do mesmo lado, isto não significa que sempre vai agir no melhor interesse do time. A classe dominante trabalhará para controlar o novo presidente, mas com sua própria base de apoio financeiro e (por enquanto) apoio social, o que é mais fácil de dizer do que de fazer.

Trump é um mentiroso vaidoso, narcisista e inveterado. Como um mesquinho e vingativo gangster, ele não perdoará ou esquecerá aqueles que o desprezaram. Ele pode tentar se adaptar ao ambiente presidencial, mas os leopardos não podem mudar facilmente suas manchas. Mas, se a pressão do aparato e da lama de Washington não forem suficientes para trazê-lo à ordem, sempre existem outras opções para a classe dominante. Estas incluem o impeachment e a remoção do poder, bem como a tradição estadunidense de assassinatos presidenciais sob circunstâncias suspeitas.

Com a esperança de continuar sendo relevantes, os Democratas estão posando demagogicamente de “esquerdistas”. Apesar do humilhante golpe recebido em 2016, acalentam suas possibilidades nas futuras eleições devido às mudanças demográficas em todo o país. Além do mais, a guerra civil dentro do campo Republicano está apenas maturando e pode ser incendiada a qualquer momento. Em um sistema bipartidário, os Democratas podem continuar a se beneficiar de serem “o outro partido” até que a classe trabalhadora construa um partido próprio.

Neste contexto, a comutação da pena de Chelsea Manning e de outros prisioneiros políticos por Obama na undécima hora, embora benvinda, é meramente uma compensação à esquerda depois de anos de acosso e perseguição de ativistas, denunciantes e imigrantes. Esperam que supostos “progressistas” como Elizabeth Warren, Bernie Sanders, Joe Biden, Michelle Obama e Keith Ellison, possam canalizar a raiva contra Trump novamente nas areias movediças do Partido Democrata. Apesar do tratamento que recebeu durante as primárias e cáucuses, Bernie Sanders está na vanguarda deste esforço.

Na primeira metade de 2016, Sanders mostrava o imenso potencial que existe para um partido socialista de massas neste país. Milhões responderam ao seu apelo para uma “revolução política contra a classe bilionária”. Mas ele jogou o jogo fraudulento dos Democratas e perdeu. Para aqueles que pensavam que ele era diferente do resto, o apoio de Bernie a Clinton foi uma dura lição da traição que é inerente ao reformismo.

No entanto, mesmo agora, dado o vácuo político que existe, ele poderia servir como polo de atração à esquerda dos Democratas. Contudo, ele parece ter adotado o papel de “Flautista de Hamelin”. O espetáculo de vê-lo participar respeitosamente das festividades da posse de Trump será seguramente a última gota para muitos de seus antigos apoiadores.

Sem trabalho de massa ou partido socialista a quem recorrer, os trabalhadores estadunidenses primeiro tentaram a promessa de mudança oferecida por Obama e os Democratas. Enquanto milhões se abstiveram completamente, alguns deles esperam que as promessas demagógicas de Trump tenham substância. Eles vão aprender mais uma vez ter que aprender da maneira mais difícil. Mas estão aprendendo.

A classe trabalhadora somente pode derrotar os capitalistas se lutarmos com nossos próprios métodos e nossas próprias organizações, independentemente dos patrões e de seus partidos. A colaboração de classe nos locais de trabalho e nas urnas foi um desastre absoluto para os trabalhadores estadunidenses. Mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, um partido de e para a classe trabalhadora estadunidense será formado. Os líderes sindicais arrastaram os pés neste assunto e patrocinaram as promessas dos patrões durante décadas. Mas a pressão está crescendo. Sanders foi capaz de ajudar a conter os trabalhadores desta vez, mas não será capaz de evitar para sempre uma ruptura decisiva com os Democratas.   

Mas a luta política por si só não será suficiente. Os trabalhadores também terão que lutar por um mundo melhor nas ruas, nos locais de trabalho e nos campuses. As condições determinam a consciência. A resistência aos patrões isolada, atomizada, é fútil. Só a ação coletiva de massas pode levar a lutas sérias e a vitórias. Eventualmente, as fileiras dos sindicatos e os milhões de trabalhadores não organizados se moverão na direção dos métodos da luta de classes: a greve, a ocupação dos locais de trabalho e a greve geral. Uma nova etapa de militância da luta de classes e uma liderança digna da classe serão construídas. Não há alternativa.

O tique-taque da bomba relógio econômica e social

Não importa o que digam os especialistas, outra recessão econômica está no horizonte. Depois de uma longa “recuperação sem alegrias”, mesmo uma crise tecnicamente modesta pode desencadear um efeito devastador na consciência e fazer com que mais milhões de pessoas rompam com o sistema. A Obama foi dado o benefício da dúvida, enquanto ele era visto como o herdeiro do desastre criado por GW Bush. Mas a lua de mel de Trump já terminou para a maioria, e aqueles que confiaram nele para mudar as coisas não lhe darão o benefício da dúvida se a próxima crise começar no seu relógio, especialmente devido às suas próprias promessas.

Mesmo antes de a economia declinar ainda mais, os mais ardorosos defensores do sistema temem a reação da desigualdade social desenfreada do capitalismo. “Isto aponta para a necessidade de revitalizar o crescimento econômico, mas o crescente humor do populismo anti-Establishment sugere que podemos ter passado da etapa em que apenas isto iria remediar as fraturas na sociedade: a reforma do capitalismo de mercado deve ser adicionada à agenda... A combinação de desigualdade econômica e polarização política ameaça amplificar os riscos globais, desgastando a solidariedade social onde repousa a legitimidade de nossos sistemas econômico e político”.

Em outras palavras, mesmo um substancial crescimento econômico não será suficiente para atalhar o “desgaste da solidariedade social” – um código para “intensificar o conflito entre as classes”. É isto o que os mantém insones à noite.

Isto não é um teste – isto é o capitalismo

Eleito por menos de 25% da população e perdedor no voto popular, Trump entra na presidência sem nenhum mandato e com um dos mais baixos índices de aprovação da história. Mesmo os políticos de longa data do Establishment têm chamado a sua presidência de ilegítima.

A canção da banda de rock R.E.M, “É o fim do mundo como nós o conhecemos” desfrutou aparentemente de um renascimento nas últimas semanas. De fato, é o fim do mundo como o conhecemos. Apesar de Wisconsin, Occupy e de Black Lives Matter, os anos de Obama foram a “calma antes da tempestade”, em comparação ao que ainda está por vir. Os anos vindouros serão cheios de luta: contra a austeridade, o racismo, o sexismo e a xenofobia, e por empregos, saúde, educação e dignidade humana básica. A vida é luta e da luta vem a mudança. Através da experiência de vitórias e derrotas, a consciência de classe dos trabalhadores e da juventude será forjada numa base maior e mais ampla do que nunca.

A marcha dos acontecimentos está acelerando. Não podemos ser categóricos e devemos esperar o inesperado. Haverá muitas mudanças aguçadas e súbitas, e devemos nos manter erguidos. Milhões de estadunidenses estão buscando uma saída revolucionária. Eles podem sentir nos ossos que, se quisermos sobreviver à mudança climática, às guerras, ao terrorismo e ao empobrecimento econômico, toda a humanidade deve estar unida e empurrando na mesma direção. Podem ver o potencial de um futuro melhor em torno deles. Mas esta unidade é impossível enquanto nossa espécie estiver dividida em classes. Tal futuro é impossível sob o capitalismo.

Não há melhor momento que o centenário da Revolução Russa – a primeira grande vitória da classe trabalhadora mundial – para participar na luta pelo socialismo. Os últimos 100 anos mostrou que, sem uma liderança revolucionária com visão do futuro que se prepara e luta para conquistar o poder político e econômico, mesmo as lutas mais heroicas da classe trabalhadora cairão na derrota. Para ganhar um mundo novo, devemos educar, agitar e organizar. Junte-se à CMI e ajude a tornar os Estados Unidos da América e o mundo verdadeiramente grandes pela primeira vez na história – através da revolução socialista!