Socialismo ou barbárie

Portuguese translation of  Socialism or Barbarism by Rob Sewell (September 16, 2005)

Faz mais de uma década, com o colapso  do muro de Berlim os estrategistas do capital lançaram uma ofensiva ideológica sem precedentes  contra o socialismo e o marxismo. Para eles, o capitalismo tinha vencido. No entanto, o  que ruiu não foi o socialismo, mas um sistema de dominação burocrático, isto é, o stalinismo. Não obstante, a feroz ofensiva teve o efeito de iniciar a debandada internacional para a direita dentro do movimento operário. Os reformistas de esquerda mudaram de lado, como uma pessoa que troca de camisa, transformando-se em advogados do capitalismo. Na Rússia e no leste europeu antigos “comunistas” tornaram-se capitalistas. Desde então, o pêndulo político pendeu para  a direita, epitomado pela vitória do blairismo na Grã-Bretanha e do neoconservadorismo nos Estados Unidos.

Enquanto  as forças do socialismo encontravam-se isoladas nesse período, o terreno preparava-se para uma mudança titânica em direção à esquerda. A dominação do Império Americano e a cupidez desmedida dos monopólios ao intensificarem a exploração do planeta terra geraram a desforra. Dada a brutal severidade das políticas neoliberais, a América Latina foi empurrada para a linha de frente da radicalização. E dentro deste continente, a Venezuela assumiu a vanguarda do desenvolvimento revolucionário.

Não surpreendentemente, por conseqüência, Hugo Chavez  avança mais e mais para a esquerda. Bem antes, no início do ano,  Chavez suscitou a idéia de estudar e reexaminar o socialismo. “Estou convencido”, disse ele, “e penso que esta convicção permanecerá pelo resto de minha vida, que o caminho para um  mundo novo e melhor é possível. Não é o capitalismo. Sim, o caminho é o socialismo, o socialismo” Nos últimos meses, ele consistentemente reiterou este ponto de vista  e tem estimulado a discussão sobre o socialismo não apenas na Venezuela mas em toda parte. “Nós precisamos do socialismo do século 21”, acrescentou, afirmando que a escolha é entre o “socialismo e a barbárie”.São estas idéias que agora aterrorizam a burguesia internacional, começando com a gangue de Washington, tão convicta de que o socialismo estava morto e há muito sepultado.

Com milhões de trabalhadores e jovens em todo o mundo crescentemente radicalizando-se, o chamamento de Chavez por socialismo tem extrema importância. E tornou-se tema focal. Para aqueles que, nauseados diante das misérias do capitalismo e do imperialismo, ele tem afirmado que outro mundo é possível, uma alternativa clara, vital. Contudo, no interior do movimento “anticapitalista” há uma variedade de perspectivas, do capitalismo ao anarquismo, proposta como avanço. Os marxistas têm responsabilidade, como se observa com apreciáveis resultados na Venezuela, comprometendo-se neste debate e ajudando a esclarecer a alternativa socialista.

Reformas não bastam

Alguns indivíduos dentro do movimento anticapitalista contentam-se com um simples apelo em prol de reformas do capitalismo, como se fosse possível transformar um leão antropófago em vegetariano. Para eles, tudo o que necessitamos fazer é simplesmente aliviar o fardo que oprime as massas espoliadas, ao invés de removê-lo por completo. O sistema capitalista deve ser mais “humano”, “mais suave”, menos capitalista! Assemelham-se aos liberais-reformistas do passado que desejavam mudar o sistema aos poucos, então, ao final de um século, tudo estaria no melhor dos mundos possíveis. Mas, como R. H. Tawney uma vez colocou a questão, “pode-se descascar uma cebola camada por camada, mas não se pode esfolar um tigre vivo garra por garra.” Não é possível mudar a natureza do capitalismo, que, conforme explicou Carlos Marx, firma-se na constante extração da mais-valia do trabalho da classe operária. É um sistema de exploração humana com suas próprias leis, e a despeito das tentativas de tornar esta exploração “mais suave”, ele inevitavelmente enguiça à medida que o sistema entra em crise.

Há mais de 150 anos, antes de surgir a classe opeerária moderna, o socialismo existia numa forma imatura, “utópica”. Grandes pensadores como Robert Owen, Saint Simon e Fourier idealizaram alternativas socialistas para o capitalismo. Foram eles acerbos críticos do sistema, mas suas alternativas, enclaves dentro de um  mar de capitalismo, não podiam funcionar.

Com o desenvolvimento da classe operária, pensamentos socialistas mais avançados emergiram. Um dos principais teóricos do Cartismo, Bronterre escreveu:

“A história da humanidade demonstra que desde o começo do mundo os ricos de todos os paises têm–se colocado em posição de permanente conspiração para manter os pobres de todos os continentes submissos, porque a miséria do  pobre é essencial para construir a riqueza dos ricos. Não importa que meios usem para disfarçar suas práticas, os ricos estarão sempre pilhando, rebaixando e brutalizando o pobre. Todos os crimes e preconceitos da natureza humana têm sua origem na guerra canibalesca dos ricos contra a pobreza. A intenção de um homem de viver dos frutos do labor de outro é o pecado original do mundo. É isto que enche o  globo terrestre de facções e hipocrisia e fez de toda a história passada o que Gibbon tão sabiamente descreveu como <pouco mais que o registro dos crimes, das loucuras e das desgraças da humanidade> É a injustiça original donde surgem todas as demais iniqüidades”.

Isto foi escrito em 1835! Quanta clareza! Quanta erudição, comparando-se com  os radicais de nossos dias! Ele continuou a explicar que as misérias da classe trabalhadora não eram devidas simplesmente a malícias dos capitalistas, mas ao funcionamento automático do próprio capitalismo. Noutras palavras, nenhum montão de súplicas diante dos grandes negócios de nada valerá. Não se trata de capitalistas “bons” ou “maus”. São as leis econômicas do capitalismo que comandam as grandes empresas (e governantes) e não o contrário.

“Não acusamos, escreveu ele, “os capitalistas endinheirados de roubos intencionais. Afirmar isto seria tão injusto quanto prejudicial. Essas  espoliações  que eles praticam não por desígnio, mas devido às acidentais posições que ocupam na sociedade, ou melhor, as espoliações são praticadas por eles através do funcionamento silencioso de causas sobre as quais não têm nenhum controle em face dos arranjos prevalecentes na  sociedade. Os da classe média são, à semelhança de todos os outros indivíduos, criações das circunstâncias. Seus caracteres plasmam-se segundo as instituições e suas posições relativas em sociedade com outras classes”.

De uma forma ou de outra, foram Marx e Engels que avançaram  no desenvolvimento destas idéias ao fundamentarem o socialismo em bases científicas. Foram capazes, ao se basearem nas idéias  mais avançadas de seu tempo, de estruturar uma nova visão do mundo. A publicação do Manifesto Comunista em 1848 constituiu um marco da teoria socialista. Foi o mais presciente trabalho de seu gênero, à época e  possivelmente hoje. Marx e Engels mais do que quaisquer outros de seus contemporâneos puderam ver longe no futuro. A “globalização”, hoje um modismo, foi analisada por eles há mais de 150 anos. 

Puderam eles chegar a estas conclusões aplicando o método do materialismo dialético em suas análises de todas as coisas. Esta visão filosófica fundamentava-se no materialismo, a crença num mundo material, onde as idéias constituem um produto do cérebro palpável e refletem o mundo que nos rodeia,.também dialético no sentido de que se vê tudo num processo de contínua transformação, um infindo  labirinto de relações e interações. A dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto no mundo externo quanto no pensamento humano.

Estas leis atuam inconscientemente na forma de uma necessidade externa no meio de uma série incessante de acidentes fortuitos. É o caso também da maior parte da história da humanidade. Marx e Engels explicaram que enquanto homens e mulheres fazem história, eles a fazem  não nas circunstâncias de sua própria escolha. Enquanto as conjunturas econômicas são decisivas, elas não representam somente fatores determinantes na história. Há interações complexas e recíprocas entre fatos econômicos, sociais e políticos. O marxismo empenha-se em distinguir “as forças propulsoras das forças impulsoras” que motivam as ações humanas.

Para Marx e Engels, a força motora da história era a luta de classes. Cada sociedade – escrava, feudal, capitalista -  molda suas relações econômicas particulares e suas estruturas de classe. Todas sociedades desenvolvem as forças produtivas, mas chega um tempo em que estas forças se rebelam contra as coerções impostas pelas superestruturas  da sociedade. Uma nova classe emerge do  útero da velha sociedade, cuja tarefa é derrocar a ordem mais velha e lançar as bases de uma nova reorganização social. Sob o capitalismo, que criou o mercado mundial e lançou os alicerces materiais  para o  socialismo, a classe operária  nasceu não apenas  como uma fonte de exploração, mas na qualidade de força revolucionária. A experiência obtida através de poderosas batalhas ensina-lhe a tornar-se consciente de seu papel, primeiramente ao desenvolver  uma consciência de classe e, em seguida, a consciência socialista. Noutras palavras, cabe à classe trabalhadora derrubar o capitalismo e construir o socialismo. “A emancipação dos trabalhadores enquanto classe é uma tarefa da própria classe operária”, escreveu Marx.

Novo descortino para a humanidade

 A missão histórica do capitalismo foi a de lançar os fundamentos de uma nova ordem mundial, baseada no mercado mundial e igualmente na divisão global do trabalho. Agora, ele se transformou num empecilho para ulterior desenvolvimento social, e está podre de maduro para sua derrocada. No curso dos últimos 100 anos, a classe operária tentou por varas vezes eliminar o capitalismo, mas frustrou-se em suas lideranças. Apenas na Rússia em 1917 ela de fato teve êxito. Sob a direção de Lenine e Trotsky, a tarefa da jovem república soviética era estender a revolução em escala mundial. Infelizmente, a traição da revolução no ocidente pelos dirigentes sociais democratas resultou no isolamento da Revolução  num país atrasado. Foi isto a determinante  da emergência do stalinismo. Um rio de sangue separou a democracia dos trabalhadores de Lenine e Trotsky do regime totalitário de Stalin.

Conforme Hugo Chaves afirmou recentemente, na luta entre Trotsky e Stalin Trotsky estava certo  - não é possível construir o socialismo num só país. Somente numa perspectiva internacional, baseada nas idéias da Revolução Permanente pode a revolução socialista ser bem sucedida. Não pode haver solução remendando-se o capitalismo. Ele se exauriu por completo em seu papel histórico. Em 1820, a distância,entre os paises mais ricos e os mais pobres era de três para um. Por volta de 1950, tinha-se ampliado de 35 para um. Hoje está de 74 para um. Dentro das nações, a divisão entre as classes de ricos e de pobres nunca foi maior. Nos Estados Unidos, a cidadela do capitalismo mundial, desde 1979 a renda de uma família média aumentou 18% mas a renda do topo, onde se situa 1% da população, subiu 200%. As tensões crescem por toda parte, na medida em que a classe trabalhadora é impiedosamente espremida. A despeito de todas as aclamações dos profetas do capitalismo, esta constatação plasma uma receita ideal para uma guerra de classes sem reservas. A base para uma revolução mundial foi preparada pelas ações do imperialismo e as contradições do capitalismo. Uma revolução bem sucedida transformaria o mundo e descortinaria novas perspectivas para a humanidade.Esta é a visão que se abre diante de nós.

Tradução de Odon Porto de Almeida.