29 DE NOVEMBRO DE 1947: UM DIA QUE MARCOU A VITORIA DA CONTRA­REVOLUÇÃO NA PALESTINA

Portuguese translation of  November 29, 1947: A day that marked the victory of the counter-revolution in Palestine by Yossi Schwartz (November 29, 2004)

Mesmo hoje em dia, podem-se encontrar esquerdistas israelenses que tentam reconciliar a criação do estado capitalista de Israel com a expulsão maciça do povo palestino. Após tantos anos, eles ainda julgam que uma divisão melhor, mais justa para os dois povos, era possível. Desde que recusam aprender com os erros do passado, eles os repetem no presente apoiando-se no slogan "duas nações, dois estados".

Há cinqüenta anos passados, em 27 novembro de 1947, a assembléia geral das Nações Unidas adotou o Plano de Divisão proclamando a criação dos dois estados, um judeu e outro árabe. A Jerusalém seria aplicado um status especial alheio à soberania de cada um dos dois estados. A liderança sionista aceitou esta condição, mas os estados árabes recusaram-na, argumentando que seria muito injusto que a um terço da população - os judeus - fossem concedidos 60% do território. No dia seguinte à declaração do estado de Israel, em 14 de maio de 1948, Israel foi invadido por tropas do Líbano, da Síria, da Cisjordânia e do Egito.

Esta primeira guerra terminou com o armistício assinado sob a égide das Nações Unidas em 1949 com o Líbano, Síria, Jordânia e Egito. De acordo com o assentado, nessa época o território de Israel estendia-se por sobre 20.000 quilômetros quadrados, aproximadamente 4/5 da anterior Palestina sob mandato britânico. Ao mesmo tempo, não mais de aproximadamente 130.000 árabes permaneceram dentro das fronteiras de Israel em lugar dos 850.000 anteriores.

Os sionistas e seus apoiadores argumentaram que se ao menos os palestinos aceitassem a divisão reinaria a paz entre israelenses e palestinos.

Na realidade, a divisão da Palestina - semelhantemente à divisão da Irlanda, da Índia e de Chipre ­era um expediente usado pelas grandes potências e a burocracia stalinista para desviar a luta de classes transformando-a em ódio o nacional a fim de restaurar a ordem imperialista rompida no pós­guerra.

A mentira de que a divisão, inclusive ao longo de linhas étnicas, podia trazer a paz entre diferentes nações e etnias ou grupos religiosos, nada mais era que uma grosseira propaganda com a finalidade de esconder os propósitos imperialistas. Uma recapitulação de alguns exemplos históricos mostrará que todas elas produziram os mesmos resultados: banhos de sangue, limpezas étnicas e ódio que serviram para sujeitar muitos milhões de trabalhadores e camponeses ao controle de um punhado de ricos imperialistas.

Após a I Guerra Mundial, a Irlanda foi dividida pelos imperialistas britânicos nos estados do sul e do norte, este tendo uma parte católico-protestante de maioria protestante. A violência no norte tem continuado até hoje, oitenta anos após a divisão. O poder no norte sempre permaneceu nas mãos do imperialismo britânico e seus aliados protestantes locais. Neste arranjo, a minoria católica do norte foi tratada como cidadã de segunda categoria durante décadas.

Enquanto isto, na República da Irlanda, onde o clero católico tem poderosa influência no aparato estatal, há leis permitindo a censura de livros, filmes e que proíbem o divórcio e o aborto e impõem outras medidas retrógradas.

A ilha de Chipre é outro exemplo. Depois de sua invasão pela Turquia em 1974, evidentemente com a aprovação dos imperialistas americanos, a ilha foi repartida. Na limpeza étnica decorrente, 20.000 turcos foram para o norte enquanto dez vezes mais gregos deslocaram-se para o sul. A ilha está agora dividida, através apenas por uma interseção. Adotaram-se moedas distintas e até mesmo diferentes fusos horários. Sedimentou-se também a desconfiança de ambos os lados após os acontecimentos de 1974.

Depois da II Guerra Mundial, os britânicos dividiram a Índia entre um setor muçulmano e outro, o restante, hindu, onde predominava esta etnia. Como resultado, algo em torno de 17 milhões foram expulsos de seus lares, tomando-se refugiados, e um número incalculável foi eliminado em pogroms. Todavia, mais muçulmanos permaneceram na Índia do que foram para o Paquistão que, por sua vez, se proclamou um país muçulmano. Posteriormente, o Paquistão Oriental, ajudado pela Índia, separou-se do Paquistão. A Índia e o Paquistão engalfinharam-se em três importantes guerras pela província da Caxemira, e:faz apenas poucos anos posicionaram-se em estado de guerra mais uma vez. Ambos os paises estão armados de apetrechos nucleares.

Contudo, neste artigo focalizaremos só a Palestina que caiu sob o domínio britânico ao final da I Guerra Mundial, oferecida que foi pela Liga das Nações - precursora das Nações Unidas - à Grã­Bretanha na qualidade de potência mandatária.

A posição assumida pelos sionistas é de que vieram para a Palestina reclamar sua pátria ancestral no final do século XIX. Os judeus compraram terras e lá começaram a erguer a comunidade judaica. Eles argumentam que ali se depararam com a oposição dos árabes palestinos crescentemente irracional, primitiva e violenta, presumivelmente oriunda do inerente anti-semitismo dos árabes. O mito que os sionistas tentam sustentar é que chegaram com boa vontade, mas foram, então, forçados a defender-se e, de uma forma ou de outra, esta situação perdura até hoje.

O problema com este tipo de argumento é simplesmente que ele não é verdadeiro, segundo demonstram evidências documentais. O que realmente aconteceu foi que o movimento sionista, desde o começo, buscou uma desapropriação praticamente completa da população autóctone árabe, de forma que Israel fosse um puro estado judeu, ou tão próximo disto quanto possível. As terras adquiridas pelo Fundo Nacional Judeu foi mantida em nome do povo judeu e jamais poderia ser vendida ou mesmo cedida por arrendamento a árabes - condição ainda imposta em nossos dias.

Os camponeses e trabalhadores árabes, a parte maior parte da população palestina, tinham sido árabes desde o VII século depois de Cristo - há mais de 1200 anos. Essa ponderável parcela populacional incluía judeus convertidos ao islamismo com a chegada dos árabes no VII século da Era Cristã. A população local árabe tornou-se cada vez mais atenta às intenções sionistas. A persistência na introdução de mão-de-obra judia significava a remoção dos trabalhadores árabes. Terra judia queria dizer remoção de populações de núcleos populacionais dos territórios adquiridos pelos grandes senhores de terras vivendo em Beirute. Eram terras cultivadas pelos camponeses durante séculos.

A política sionista originou a oposição da população local à crescente imigração e compra de terras pelos judeus, pois que isto criava um perigo real e iminente à própria existência da sociedade árabe na Palestina. Por causa desta objeção, todo o projeto sionista nunca poderia ter sido realizado sem apoio militar. Precisamente desde o início, o Sionismo se baseava numa visão mundial colonialista, a asseverar que não seriam levados em conta os direitos humanos da população indígena. Theodor Herzl foi um dos que afirmaram ser a Palestina uma terra vazia à espera de um povo sem pátria.

Ao tempo em que os sionistas repetiam a frase "terra sem povo para um povo sem terra", a Palestina já era o lar para 700.000 palestinos conforme demonstrado pelo censo de 1919. Exceto estes 700.000, apenas 10% eram judeus e a metade deles não sionistas.

O hipócrita argumento sionista a afirmar que a oposição árabe local à sua própria autodestruição constituía uma forma de anti-semitismo tem sido desmentido não somente pelas vítimas imediatas do Sionismo, e não apenas pelos marxistas, mas por muitos judeus progressistas.

Albert Einstein declarou: "Eu preferiria assistir preferivelmente a um acordo razoável com os árabes na base de uma vida em comunidade à criação de um estado judeu. Mora considerações práticas, minha percepção da natureza essencial do Judaísmo resiste à idéia de um estado judeu com fronteiras, um exército e uma medida de poder temporal, não importa quão modesta seja. Temo os danos internos que o Judaísmo venha a sofrer..."

Erich Fromm, notável autor e pensador judeu: "No direito internacional, princípios asseguram que nenhum cidadão perde seus bens ou seus direitos de cidadania, sendo este de fato um direito ao qual os árabes em Israel gozam de muito maior legitimidade do que os judeus. E por que razão os árabes se retiraram? Dede quando isto é punido pelo confisco da propriedade e, por acréscimo, os impede de retomarem para a terra onde seus ancestrais viveram por gerações? Desta forma, a pretensão dos judeus à terra de Israel não pode representar uma reivindicação realista. Se todas as nações de repente reivindicarem territórios em que seus antepassados tenham vivido há dois mil anos, o mundo transformar-se-ia num hospício..."

"Um lar judeu construído na Palestina sobre baionetas e assentado na opressão não é válido, mesmo que seja próspero, enquanto a simples tentativa de erguê-lo seja pacífica, em cooperação, com compreensão, educação e boa vontade valerá muito mais, mesmo que a tentativa falhe." (Rabino Judah L. Magnes, primeiro presidente da Universidade Hebraica de Jerusalém, citado em "Like All the Nations?", edição Brinner & Rischin.)

Desde os anos 1980s alguns dos novos historiadores israelenses têm refutado os mitos dos fundadores do estado. Esses "novos historiadores israelenses", a exemplo de Benn Moris, Tom Segev ou Han Pappe, demonstraram que a retirada dos atuais refugiados foi amplamente causada pela atitude do exército israelense atuando sob o manto da impunidade - expulsões, molestamento e massacres calculados por Benny Moris em 80 de 1947 ao final de 1948, especialmente o de Deir Yasir, mas também os de Lyda, Ramleh, Dawimiyya, Sa'sa, Ein Zietun e outros. O exército sionista aterrorizou a população e incentivou-a a abandonar sua terra, etc.

Estes novos historiadores concordaram com sua contraparte palestina, considerando que o sionismo fora implantado como puro ato colonialista contra a população local: um misto de exploração e expropriação.

A justificativa sionista para limpeza étnica de 1947-1948 é o mito da aniquilação. Os novos historiadores, à semelhança de Ilan Pappe ("The Link", janeiro de 1998) desafiou a historia oficial que afirma haver a comunidade judia enfrentado sua possível provável aniquilação às vésperas da guerra de 1948. Documentos arquivados revelam que dirigentes árabes controlados pelos senhores britânicos não tinham nenhuma intenção de instigarem as massas árabes neste sentido. Elas temiam mais as massas árabes que os senhores britânicos ou uma nação palestina, não detentora de capacidade militar com que pudessem enfrentar o potente exército israelense equipado com ajuda da burocracia soviética.

A superioridade militar israelense traduziu-se na expulsão maciça de 700.000 a 1.000.000 de palestinos. Muitos deles foram expulsos bem antes que os estados árabes invadissem a Palestina. Estas expulsões maciças começaram logo após a declaração das Nações Unidas de 19 de novembro de 1947.

Alguns dos hipócritas apoiadores da criação do estado israelense ficaram muito surpresos ao descobrir como resultado da divisão que no mínimo 700.000 palestinos tomaram-se refugiados.

Mas eles não podem negar que a idéia da divisão incluía, desde seu início, o plano de limpeza étnica. A Comissão Peel de 1937, designada para investigar as causas das perturbações locais, resultou num relatório e no Livro Branco. Suas principais recomendações consistiam na divisão do território em dois estados distintos, como também na transferência de uma população:

Após considerável debate, o executivo sionista aceitou o plano Peel. Berl Katznelson, influente líder do partido Mapai favoreceu a transferência populacional, inclusive uma remoção "compulsória". Todavia, a "compulsão" ocorreria em conseqüência de acordos, e não através de guerra ou soluções violentas. Escreveu ele:

“A questão da transferência populacional tem provocado debates entre nós: é permitida ou proibida? Minha consciência é absolutamente clara quanto ao assunto. Um vizinho distante é melhor do que um inimigo próximo. Eles (os palestinos) não perderão com a adoção da medida. Em última análise, é uma correção política e uma reforma consentida em beneficio de ambas as partes. É minha opinião desde longa data que esta é a melhor de todas as soluções... Tenho sempre acreditado, e ainda acredito, que eles sempre estiveram destinados a ser transferidos para a Síria ou para o Iraque." (Na Convenção Mundial do Ihud Po'alei Tzion, de agosto de 1937. Al Darchei Mediniyutenu: Mo'atzah 'Olamit Shel Ihud Po'ail Tzion (c.s.)-Din Vehesbon Maleh, 21 July-7 de agosto [Relatório Completo da Convenção do Ihud Po'alei Tzion, C.S.] (Tel Aviv Central Office of Hitahdut Po'alei Zion Press, 1938).

O PKP (Partido Comunista Palestino - sob liderança stalinista) e o Mapam (ala de esquerda da Social Democracia do partido sionista) inicialmente opuseram-se à idéia da partição da Palestina. Para entender as razões da mudança de sua posição, devemos compreender o papel da Social Democracia e do stalinismo em prol da restauração da ordem imperialista no pós-Segunda Guerra Mundial.

Para um pormenorizado exame desta situação, leia-se nosso artigo anterior Arab-Jewish workers joint struggles prior to the partition of Palestine - Part One e Parr two, onde explicamos de que modo, no contexto das duas situações pós-guerras, ante a fermentação revolucionária mundial, a guerra de 1948 na Palestina representou um dos artifícios que conduziram à nova imposição da ordem imperialista.

No artigo supra, oferecemos também um relato pormenorizado da luta de classe geral antes que os imperialistas alcançassem seus objetivos. Tem havido muitos eventos que demonstraram que a unidade de trabalhadores árabes e judeus era não somente possível, mas efetivamente se materializara em várias disputas sindicais. Houve sinais em ambos os lados de que uma solução alternativa podia ser encontrada. O impulso natural pela unidade de classe podia ter aberto perspectivas da luta de classes por uma Palestina socialista, servindo de marco para os trabalhadores de iodo Oriente Médio. Mas isto podia ter significado dispor-se de um revolucionário movimento de massas, um partido da classe trabalhadora atuando em ambas as comunidades.

Infelizmente, não se contava com isto, e o fato determinou todos os eventos posteriores. A despeito das ações instintivas de unidade da classe operária entre algumas camadas, esta disposição não pode ir alem. Assim, os reacionários puderam desviar o movimento para rumos nacionalistas. Parte desta estratégia envolveu massacres, atentados terroristas etc. a fim de aterrorizar o povo e levá-lo aos braços da reação. Atitude esta fundamental para os planos sionistas.

A tarefa de hoje é assumir genuínas tradições do passado e trabalhar em prol de uma solução do conflito entre Israel e a Palestina através da classe trabalhadora, o que pode ser alcançada à base da luta pelo socialismo e pela derrota dos regimes reacionários dos dois lados. A única solução é uma Federação Socialista do Oriente Médio, onde todas as nações, inclusive os curdos, palestinos e israelenses, desfrutarão de autonomia nacional possibilitando-lhes desenvolverem suas culturas, usar suas próprias línguas, manter suas tradições, tudo isto em harmonia com os povos vizinhos.

15 de novembro de 2004

Tradução de Odon Porto de Almeida